Frenesi

Peço-lhe desculpas para falar uma coisa abusiva; gostaria de lhe dar um beijo na boca...Diante do espanto que as próprias palavras lhe causaram, um espanto maior pela maneira como ela reagiu...Por que não dá? Não deu, e justificou a razão pela qual não o fazia; talvez o excessivo movimento de pessoas falando em altas vozes, dialogando, entreolhando-se com aspecto patético; juntou outras razões de ordem burocrática; como faria isso? Seria como se desnudar em publico, transformar-se numa pessoa comum, num ser humano simples, como a grande maioria das pessoas; sentia que os olhares eram brilhantes e cheios de fogo, e que os corpos certamente fremiam; as mãos não eram frias, os corações não estavam acelerados; mais uma vez, teve um retrato abstrato do desejo, do querer, do ansiar...As mãos se tocaram novamente de maneira sub-reptícia; pararam de questionar o fato não tão abusivo. Quase ao mesmo tempo, perceberam uma solução; e se fechássemos os olhos? Todas as coisas que nos cercam desapareceriam. De fato desapareceram; beijaram-se tão voluptuosamente, conforme descreveria um autor de fotonovelas, quando as fotonovelas consideravam pecado o beijo na boca. Beijaram-se, apertando-se contra o peito, sem permitir que nada lhes impedisse aquela manifestação de carinho; como se estivessem representando uma história de desejo, no palco de um teatro de subúrbio de que já lhes falei, ou nas docas, onde a platéia, constituída de homens rudes e mulheres de vida estivessem ali apenas para aplaudir. Uma bela e pura performance interrompida, de longe em longe, pelos apitos frenéticos das fábricas, ou pelos roncos graves dos vapores chegando ou partindo do cais.

Abrantes Junior
Enviado por Abrantes Junior em 12/07/2009
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