Camisola

Era filho de família pobre e honesta; costumavam dizer que nascera puxado a fórceps e, sendo assim, sua cabeça não ficou muito boa; tinha lampejos de inteligência brilhante, principalmente quando ficava horas a fio olhando para o sol, embevecido com sua luminosidade; muitas vezes mostrava-se tenso, agressivo, principalmente com as crianças; não gostava de crianças, com exceção daquelas que lhe dirigiam palavras de carinho e lhe estendiam a mão em sinal de cumprimento; a bem da verdade, devo dizer-lhes, que se chamava José sendo conhecido na comunidade como Zeca camisola, pois, vestia habitualmente uma camisola em cima do corpo, sem nada por baixo; já beirava os vinte anos, quando passou a andar por lugares mais longínquos no mesmo bairro, exasperando-se quando ouvia lhe chamarem “Zeca camisola maluco”; nessas ocasiões, levantava a camisola mostrando sua nudez; esse gesto não significava apenas protesto, pois, quando era cumprimentado por pessoas que lhe tinham carinho respondia ao cumprimento levantando a camisola; monossilábico, só conseguia grunhir umas poucas palavras como “dá”, “qué”, “sai” e outras similares; quando gostava de uma pessoa, a primeira coisa que fazia era levantar a camisola e grunhir – qué? O mais interessante de tudo isso é que uma professora piedosa conseguiu ensinar-lhe algumas palavras de significado mais amplo, como Deus, Amor, Paz, Caridade e Felicidade! Dizem, que à semelhança de “Cacareco” no Rio de Janeiro, foi eleito vereador em sua cidade.

Abrantes Junior
Enviado por Abrantes Junior em 13/07/2009
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