Todos somos humanos

Era noite, todos dormiam e o menino com passos medidos e silenciosos saiu de seu quarto, abriu a porta, cautelosamente, para que não fizesse nenhum barulho, foi em direção ao outro quarto, certificou-se que seus pais estavam dormindo, desceu as escadas e foi para o quintal de sua casa. O menino deitou-se no chão, apoiou suas mãos na nuca e começou a olhar para o firmamento. Agora que todos dormiam, o silêncio permitia que o menino pudesse falar consigo mesmo, podia enfim ter um momento para se conhecer e tentar afastar o fantasma que lhe assombrava todos os dias, podia enfim ter um momento para pensar com clareza sobre sua vida; sem pré-conceitos, sem a influência dos demais, sem o barulho diário, sem os modismos e a hipocrisia da sociedade, sem a presença da incompreensão e da ignorância do mundo, apenas ele e o infinito, ali, naquele instante sagrado.

O menino começou a observar as estrelas, enquanto mais olhava, notou com maior lucidez seu brilho e sua beleza, cada qual com uma intensidade diferente, mas que reunidas, produziam um cenário fantástico, de encher os olhos de qualquer mortal, imortal. Enquanto mais se aprofundava no olhar, mais sentia-se em paz, mais se desligava do que estava ao seu redor e dos problemas, mais ele viajava em seus pensamentos, mais sentia a infinidade e a eternidade em si, manifestando-se, fluindo intensamente. O menino começou a sentir seu corpo cada vez mais leve, o brilho de seus olhos e das estrelas agora eram um só, a escuridão não lhe amedrontava mais, pois sentia que era parte dela, não tinha mais medo e nenhuma culpa podia lhe entristecer, porque sentiu que o universo estava em constante transformação, que tudo emanava de uma fonte primordial, o que lhe dava a certeza da eternidade,embora ela pudesse se manifestar de várias formas.Nenhuma distinção fazia, porque nestes instantes percebeu a unidade em meio à diversidade que o cercava, porque cada estrela era especial e no entanto sua união formava tal espetáculo maravilhoso no céu, a qual tinha o privilégio de presenciar, de contemplar. Descobriu que a beleza estava presente em todas as coisas, porém cada uma tinha uma peculiaridade que a tornava especial e, que para poder ver tamanha beleza nas coisas, precisava apenas abrir sua mente e quedar-se em silêncio, para que seus olhos pudessem ver, o que é obvio a quem tem sensibilidade, mas que se tornava invisível a quem não se desfazia dos preconceitos e da ignorância. Descobriu também, que ao ver, podia sentir também, como se fizesse parte do objeto observado e, ao sentir, podia entender e traduzir o que aquilo era e qual sua importância de existir, demonstrando a verdade de que nada existe por acaso e que em tudo há uma finalidade.

Ainda no ápice de seus pensamentos, o menino compreendendo a mensagem que as estrelas tentavam lhe mostrar, pensou em uma pessoa muito especial para ele, pensou em sua família que tanto amava e na sociedade que fazia parte, concluiu então que era parte de tudo isso, mas que ao mesmo tempo era diferente, era uma luz, de outra cor, com outra intensidade, talvez mais distante de outras, talvez mais perto das demais, no entanto fazia parte do céu e tinha um papel especial. Mesmo que os demais tentassem excluí-lo, ridicularizá-lo, ofendê-lo, duvidando de seus sentimentos nobres, desconfiando de sua conduta, classificando-o como um doente ou desvairado, mesmo assim, sabia naquele momento que fazia parte de um todo, que era humano, tanto quanto os demais e, que amava e podia ser amado, que o amor não fazia distinção de nada e nada podia deter sua expressão na Alma dos seres.

O menino então, após esta elevada e esclarecedora conversa consigo mesmo e com o Universo, levantou-se satisfeito e em paz, porque sentiu pela primeira vez que não era um monstro ou alguma abominação, mas que era apenas uma estrela diferente, porém com um brilho único. Ele entrou para casa, subiu as escadas e foi para o quarto de seus pais. O quarto estava com as luzes do abajur acesas, a janela aberta e na cama um cobertor os cobria e, eles estavam abraçados, em uma linda cena de amor. Então, ele caminhou com passos suaves e ao se aproximar, pôde sentir suas respirações bem de perto, o que lhe causou tamanha comoção, era a energia da vida se manifestando, em seus queridos pais. Então, suavemente, ele pousou um beijo em cada um deles, fechou a janela e percebendo o frio que fazia, foi ao armário e pegou mais um cobertor, estirou sobre a cama onde seus pais dormiam profundamente. O menino satisfeito, saiu, fechou a porta e foi para seu quarto, deitou-se na cama e foi dormir em paz.