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UM CAVALO E QUATRO BURROS  

 
   Uma caçada, quatro metidos a caçadores: eu, Zizo, Adão e Aldrovando tínhamos ido na zona da Galatéia, próximo à colônia Z3 de pescadores. Ao voltarmos, na parte da tarde, encontramos alguns cavalos pastando ao lado do arame que fazia divisa com a estrada e seguia do Balneário dos Prazeres em direção à Z3.
    - Olha que belo cavalo, falou  Adão, que estava mais ao lado do arame do que os outros.
    - Vamos montar nele?...perguntei aos que estavam mais atrás. Um, do qual não me lembro bem, teceu comentário a respeito de não termos rédeas nem arreios.
    - Ora vamos em pêlo mesmo!...disse o Zizo, e foi se chegando ao animal, que estava encurralado contra os arames demarcatórios do terreno. 
   E assim fomos andar a cavalo, sem nada para poder nos segurar, a não ser um no outro,e no pescoço do pobre animal, que não tinha idéia do que estava acontecendo, pois os quatro inventaram de subir no seu dorso, quase ao mesmo tempo. Assim não dá!, deve ter pensado o pobre animal, já que eu estava grudado no seu pescoço, Zizo em mim, Adão nele e Aldrovando, que era o último, tentava segurar-se no Adão.
   Como tudo que começa mal normalmente termina mal, não deu outra: fomos caindo, um a um, pois o cavalo, vendo os outros cavalos livres e soltos,começou a galopar,desesperado com todo aquele peso no lombo.  O primeiro a voar foi o Aldrovando; o segundo, uns 50 metros mais a frente, foi o Adão; o terceiro foi Zizo, que passou voando por mim,caindo dentro da valeta existente ao lado do aramado. Eu, mais agarrado no pescoço do animal que carrapato, logicamente fui o último a cair, pois o cavalo assustou-se ainda mais com uma poça d’água e, ao tentar pular jogou-me nela e passou por cima de mim, sem tocar-me com as patas.
    Juntamo-nos e fomos conferir os estragos causados pela molecagem. Afora Zizo, que rasgara a calça, os outros saíram apenas com as roupas molhadas e sujas de barro amarelo. O prejuízo maior foi com o nosso ego, arranhado pelas quedas de cada um. Assim fomos pra casa da vó Laura tomar um café e um belo banho. Como todo fato, com o passar do tempo, gera comentários e traz lembranças das artes de nossa juventude, este não poderia ser diferente. O fim trágico dos meus queridos companheiros, hoje procuro registrar neste livro para poder dizer que, na vida,nada é por acaso, como diz Zíbia Gasparetto. Deus permitiu que eu pudesse escrever sobre eles, que tiveram uma vida tão curta como encarnados.
    O primeiro a desencarnar foi “Aldrovando”. Recebi a noticia do seu assassinato ao ler o jornal. Fora esfaqueado traiçoeiramente por um rival, que o esperou na passada de casa, na localidade da Barra Falsa. Conforme a queda do cavalo ,o segundo foi Adão, que veio desencarnar pouco tempo depois, ao tentar salvar um gato que estava sobre um tronco no rio Guaiba; jogando-se na tentativa de salvar o bichano, desapareceu nas águas, sendo encontrado dias depois pelos bombeiros. Coincidência ou vida marcada? O terceiro foi o Zizo, meu cunhado e irmão, lembro como se fosse hoje. Eu tinha ido a Porto Alegre na sexta-feira e ficara de voltar no sábado, como de fato o fiz, não sem antes passar na Loja Renner da Otavio Rocha e rever meu querido mano Zizo. Encontrei-o no restaurante da loja e conversamos um pouco sobre os seus e os meus sonhos. Contou-me que, no máximo em um mês , ele e seu patrão, dono do restaurante, estariam com um novo empreendimento.
     Iriam abrir um restaurante no Bairro Tristeza, um dos mais nobres de Porto Alegre à época. Zizo ia com ele, pois, além de trabalhar nas Lojas Renner,ainda morava em sua casa. Contou-me também que seu patrão era padrinho de seu filho, Alex, e sua mulher trabalhava como caseira, na residência do Bairro Tristeza. Ao despedir-me do mano(Zizo) , fiz um pequeno comentário:
   - Pô, meu, se continuares assim, vais virar um barril de chope!
  Retrucou-me com um pequeno muchocho: - Não começa Magrão!.
   Estas foram suas ultimas palavras para comigo, enquanto vivo, pois na segunda- feira, presenciei na TV o pior incêndio da capital gaucha de todos os tempos; o da Loja Renner da Otavio Rocha.
   Dessa maneira desencarnou meu querido cunhado, irmão e companheiro Zizo, cujo corpo foi encontrado dezenove dias depois. E aqui estou eu, o último dos quatro cavaleiros, para poder contar, sem saber como será minha passagem, pois Deus, apenas Ele, pode saber os desígnios traçados.
 Hoje ,dentro do Espiritismo Cristão, consigo entender os caminhos que percorri e ainda tenho a percorrer, pois aqui estamos para purificar nosso espírito,cavalgando em pêlo por trilhas cheias de obstáculos, provações e expiações. Somente dessa maneira iremos conseguir aperfeiçoar-nos, podendo galgar cada vez mais um degrau de purificação, que certamente nos levará para o lado de Jesus.
 Um dia desses, ao ir ao cemitério da Boa Vista para colocar uma lápide no túmulo da família, tive que passar o fio de energia elétrica por sobre alguns jazigos. Um deles  me chamou tanto a atenção que, ao aproximar-me para olhar a foto, acabei descobrindo que ali se encontravam os restos físicos de meu amigo Aldrovando. Entre milhares de túmulos, por que logo aquele me atraiu, se não tinha nada que o diferenciasse dos demais? Rezei por seu espírito.     

Este e outros contos reais, fazem parte do meu primeiro livro; já esgotado.
Gildo G Oliveira
Enviado por Gildo G Oliveira em 23/09/2009
Código do texto: T1826088
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