As Salinas

As Salinas

Não era a primeira vez que ele olhava as salinas, em sucessão harmônica acompanhando a estrada. Naquelas ocasiões, seu pensamento se afastava da realidade e do habitual, impedindo-o de ter um raciocínio lógico. Provavelmente, não teria condições de responder a qualquer pergunta que lhe fosse formulada, se lhe fosse possível ouvi-la. Quando ele regressava daquelas viagens, era como se regressasse de um pesadelo. O cansaço sempre em dobro, pelo estado de tensão em que ficava; muitas vezes, tendo ímpetos de largar tudo o que pensara ter conseguido, mas não passava de uma ilusão efêmera. Sentia o mesmo ardor nas mãos, que teve em criança, quando a imprudência fez com que tocasse com as pontas dos dedos o muro da via férrea, pela janela do trem em movimento; o contato lhe assustou a pele e não teve como explicar aquela ação extraordinária e irrefreável. Muitas vezes, aquela mesma sensação indomável lhe atravessava a vontade, obrigando-o a proceder de modo desconexo. As viagens tinham revelações surpreendentes, como uma capela rústica na elevação junto ao mar; o adro era um pequeno cemitério e os grossos muros marginais eram sepulcros; achou estranha aquela sucessão de cruzes de madeira marcando o território desolado e sem vegetação. Embaixo, o mar enfurecido atacava a praia de areias, que lhe pareciam vermelhas. Refletia às avessas sobre a gratidão. Gratidão, dizia ele, tem sempre um período de carência; após um prazo determinado, só os convictos agradecem. Diante dos seus olhos todas as coisas passavam a ser personagens centrais de uma peça; seus olhos abriam-se como se quisessem ver o mundo inteiro. Nada via de extraordinário, além da recriação das coisas mais simples. Agora, os galhos, as cercas, as pontes e as salinas lhe davam um sentido puramente plástico; sempre a mesma lembrança angustiante, as mesmas frases, as mesmas cenas se desenrolando vertiginosamente. Seus olhos nada mais viam, a tensão que o acompanhara abandonara-o; era mais que uma sensação de humildade era uma sensação de humilhação, que o envolvia e o abraçava lascivamente, aquecendo-o.