Escuridão Perfeita

Era uma noite qualquer.

Caminhava tranqüilamente pela rua pensando em minhas desavenças pessoais no ramo imobiliário. Havia um vendedor que trabalhava na Protocol & Gamble, empresa em que trabalho, que parecia ter adquirido uma rixa especial por mim. Não lembro como tudo começou, mas nos últimos quatro meses já tinha acumulado muitas perdas de vendas por culpa dele. Ele utilizava uma técnica de disfarce, uma técnica impecável e perfeita:

Me assustava junto dos clientes durante visita ao imóvel.

No começo pensava que uma maldição tinha recaído sobre minha pessoa. Uma maldição como àquelas que os grandes donos de bibliotecas passaram a utilizar no final do século XVIII. Estes donos contratavam alguns selvagens que através de magia amaldiçoavam todos os livros da biblioteca. Quando uma pessoa, por descuido ou por maldade, deixava de devolver o livro emprestado sua vida se transformava na mais pura desgraça.

Ele utilizava diversos tipos de disfarces. Fantasmas com correntes nos pés. Suicidas com enormes buracos na cabeça. Pais que faziam sacrifícios de bebês em nome do grande Satã. Enfim. Ele se disfarçava de qualquer coisa para que nós acreditássemos que a casa era mal assombrada. E posso afirmar que não é nada divertido tentar vender uma casa mal assombrada.

Alguns podem acreditar que esse romance envolvendo fantasmas em pleno século XXI é algo insustentável. Bem, estes nunca se encontraram com um fantasma cara a cara. Ou pensaram encontrar. O medo do oculto e do desconhecido continua sendo o número um na lista de temores dos seres humanos. Eu mesmo, que sempre me considerei uma pessoa cética, fiquei assustado no começo. Por mais que a razão me dissesse que não, ainda assim eu não conseguia evitar de desenvolver um forte temor pelo escuro. Passei a dormir com as luzes acesas. A ironia disso era que eu nunca tive medo do escuro, mesmo quando criancinha. Foi preciso me tornar um adulto para desenvolver tais temores infantis. É claro que durante minha infância nunca tinha me deparado com a figura de um cão infernal, segurando uma lança na mão direita, dizendo que iria arrancar meu coração e entregá-lo para as bestas do inferno.

Descobri que tudo não passava de uma tramóia de meu arqui-rival durante minha tradicional investigação. Encontrei em sua mesa recibos de coisas que ele poderia muito bem ter utilizado para se disfarçar. Inclusive no computador de seu escritório, (sim, tenho o hábito de procurar coisas comprometedoras nos computadores de meus rivais, você não pode me recriminar, pode?), encontrei um vídeo filmando todo o crime. Desde ele se vestindo de fantasma até o momento em que eu saio correndo do imóvel feito uma garotinha assustada. Ainda encontrei o endereço de um site onde ele faz a confissão de todo o seu plano nefasto. E para a minha grande surpresa, o site possui uma grande popularidade.

É claro que eu poderia reunir todas essas provas e conseguir a demissão dele. Mas seria muito pouco. O que eu preciso é contra-atacar de uma forma ainda pior. Eu devo trazer a desgraça e o infortúnio para a sua vida assim como ele a trouxe para a minha. Preciso de um plano perfeito, algo que fariam as mentes mais malévolas da história humana sentir um pingo de inveja.

Foi pensando em tudo isso que deixei escapar um sonoro insulto de meus lábios. Uma senhorita que passava por mim, e obviamente não sabendo o que eu pensava, ameaçou-me, aplicou-me um tapa e foi embora.

Permaneci parado relembrando o episódio quando um vulto passou por mim e me aplicou um golpe certeiro na nuca, o que provocou a queda imediata de meu cachimbo, que repousava em minha mão esquerda.

Senti-me tonto.

Virei para vislumbrar a figura e observei um ET, vestindo um terno preto, me observando com dois olhos grandes e cinzas, enquanto corria insandesidamente. Nunca vi alguém correr tanto assim e logo descobri que ele era perseguido por um projétil autopropulsionado equipado com uma bomba.

Fiquei olhando a figura bizarra sumir ao longe enquanto esperava a súbita tontura que me acometeu passar, assim que ela se foi, atravessei a rua.

Thom Ficman
Enviado por Thom Ficman em 10/07/2006
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