Aquele Assobio

Eu sempre me felicitava quando ouvia aquele assobio. Era sinal que ele estava chegando. Corria pro portão de madeira que dava pra rua e esperava um novo assobio, sinal que ele já estava na frente da casa de minha mãe. Daí eu abria o portão sorrindo e ele entrava, também sorrindo, e me afagava a cabeça com sua mão gigantesca. Era o único carinho que ele me dava, porém era o melhor carinho que eu recebia. Os carinhos da minha mãe eram sempre muito melosos. Dava outro assobio entrava na sala e enlaçava minha mãe pela cintura e beijava-lhe o pescoço, os seios e a boca. Depois se sentava na poltrona e eu corria para tirar suas botas sujas de terra vermelha de nosso quintal enquanto trocava algumas palavras sobre futebol. Minha mãe sentava no colo dele e mandava que eu saísse e fosse para o nosso quarto, o que eu obedecia parcialmente. Saia, mas ficava atrás da janela observando os dois se amarem.

Essa era sempre a cena de quando ele aparecia, ele ficava por alguns dias depois brigavam e ele sumia para voltar dali só uma semana, às vezes mais. Mas quando ele estava ali minha mãe era outra mulher, se asseava, ficava sorridente, fumava um cigarro mais cheiroso e ficava mais nua. Adorava espiá-los, algumas vezes que tinha vontade de estar no lugar dele, outras no lugar dela. Mas já bastava observá-los. Tinha inveja de como ele mordia os seios de minha mãe e ela tremia, tinha inveja de quando ela aranhava suas costas e ele urrava.

Uma vez, quando ele já tinha ido embora há uma semana, uma curiosidade me aflorou e perguntei a minha mãe se ele era meu pai, seus olhos se fecharam de raiva, mas ela tentou disfarçar o ódio e acabou desconversando e antes de sair andando falou:

-Você está muito novo pra saber quem é seu pai, não me pergunte mais isso! Nem a ele!

Como assim eu era tão novo para saber quem era meu pai? A maioria das pessoas que eu conhecia já sabia quem era o pai desde a nascença, eu também queria saber. Será que era ele meu pai? Podia ser ele meu pai! Seria o melhor pai que alguém pode ter! Eu precisava saber, mas não podia perguntar pra minha mãe. Nem pra ele, afinal o nosso assunto era só futebol e minha mãe me mandara não perguntar. Como eu poderia saber? Só se eu perguntasse a quem morava ali perto, que conhecia minha mãe antes de eu nascer.

Foi o que fiz. Um dia quando fui comprar pão na conta de minha mãe aproveitei e perguntei a seu Solano se ele sabia se aquele era meu pai e rindo ele respondeu:

- Garoto, vai ser muito difícil descobrir se ele é seu pai, mas eu acho muito improvável!

Eu não entendi porque poderia ser difícil descobrir se ele era meu pai, a idéia de que ele fosse meu pai me deixava muito alegre. Mas tentei descobrir através de outras pessoas, alguns diziam que ele devia ser meu pai, outros diziam que eu tivera muitos pais e caiam na risada, eu nada entendia. Uma vez disseram que eu tinha muitos pais e que ele era o pai atual, foi a idéia que eu aceitei como verdade.

Numa época ele ficou sem aparecer por duas semanas, mas esse tempo era normal ele não aparecer. Passou-se mais uma semana e ele continuava sumido, mais outra e nada de seu assobio cortar o ar. Fazia um mês que nós não o víamos, já começava a achar que ele não fosse mais voltar e o que mais me entristecia era achar que o sumiço era culpa minha, será que ele descobrira que eu achava que fosse meu pai? Não agüentava mais ficar nessa incerteza e fui perguntar a minha mãe onde ele estava, ao que ela respondeu:

-Deve ter arranjado outra vagabunda pra sustentá-lo! Meus programas já não dão tanto dinheiro como antes! - e novamente virou as costas e foi pra cozinha. Aquela resposta me deixou mais triste que antes, agora tinha certeza que ele não iria mais voltar. Tinha que começar a me acostumar a não ter com quem falar de futebol. Será que nunca mais escutaria aquele assobio?

Eu comecei a me acostumar sem ele. Passou-se um tempo desde a última vez que o vi, até que um dia pedia dinheiro num sinal e o vi dentro de um ônibus, ele não me viu. Mas pra mi já bastava, vê-lo já era suficiente, tive vontade de gritar: Pai! Pai! Olho eu aqui! Pai! Contive-me. Todo dia que ia pedir dinheiro esperava vê-lo de novo, mas isso nunca aconteceu. Eu já me acostumara sem ele, mas não o esquecera. Eu queria meu pai de volta.

Já se passavam vários anos que ele tinha sumido e alguns que o tinha visto no ônibus, eu já trabalhava numa mercearia, quando voltava pra casa escutei o assobio. Procurei por todos os lados para encontrá-lo, mas não estava em lugar nenhum. Observei melhor pra ver se encontrava, mas nada. Até que percebi uma coisa muito entusiasmado, quem estava assobiando era eu. Desse dia em diante eu nunca mais voltei nem pra mercearia, nem pra casa!

Victor Creti Bruzadelli
Enviado por Victor Creti Bruzadelli em 29/07/2006
Código do texto: T204732