O AVESSO DA MENTIRA

As duas primas mineiras e as duas primas cariocas foram passar alguns dias de férias na fazenda de um tio.

A fazenda é histórica; produziu em sua época muito café; hoje possui algumas cabeças de gado para leite, uma horta de subsistência e só. O pomar desapareceu bem como o jardim. A casa grande é um verdadeiro patrimônio não-tombado. O bisavô foi um baronete do império de Pedro II.

O tio preserva tudo como os seus avós deixaram. Os móveis, a louça, os talheres, cristais, prataria, paredes decoradas com papel e gravuras estão bem conservados, somente a casa requer alguns reparos.

Ao lado de uma sala está a capela e em seu assoalho há um alçapão que se abre para um porão.

A sala de jantar tem um relógio em funcionamento; um enorme carrilhão embutido em coluna de madeira nobre e que marca horas e meias-horas emitindo o som semelhante a um órgão de igreja.

Não há muito que fazer na fazenda à noite, a iluminação é precária, não há televisão nem internet, o jeito é ficar conversando e ouvindo as histórias que o tio conta sobre a fazenda e seus dias de opulência. O tio afirma que D. Pedro II por lá pernoitou e exibe a ceroula que teria sido esquecida pelo imperador.

Uma noite, as primas mineiras combinaram assustar as primas cariocas; todas dormiam no mesmo quarto próximo à capela.

Numa sexta-feira, já deitadas, as mineiras contaram às cariocas que neste dia da semana, à meia-noite, os escravos enterrados no porão da capela revivem, abrem o alçapão e saem a vagar pela casa. Alguns arrastam as correntes que os prendiam em vida no pelourinho como castigo por fuga ou outro motivo de punição.

As primas cariocas alegaram que isto não foi contado pelo tio, não acreditaram, rezaram e caíram no sono.

As duas mineiras ainda estavam acordadas, conversando na mesma cama, quando o carrilhão disparou o toque da meia-noite. O som de uma porta rangendo também se fez ouvir, bem como o de janelas batendo. Em seguida, ouviram passos estalando as tábuas do assoalho e o tilintar de correntes arrastadas; escutaram também gemidos, choros e lamentos.

O quarto estava às escuras. Tremendo de medo, as mineiras se abraçaram e se enfiaram debaixo do lençol; ficaram mais assustadas ao sentirem alguma coisa se movendo sobre a cama; felizmente era a gata buscando acomodação entre elas.

Pouco depois os ruídos cessaram; com um pingo de coragem ousaram descobrir a cabeça e vislumbraram duas sombras projetadas na parede; ouviram gargalhadas; tornaram a se cobrir. De repente o lençol da cama foi arrancado com um puxão. Que pânico!

As primas cariocas sorrateiramente haviam deixado o quarto e aprontaram toda aquela barulheira para assustar as mineiras mentirosas.

No café da manhã este foi o assunto e motivo das boas risadas que provocaram no povo da fazenda.

As mineiras juraram desforra.