Paixão Aguda

O rosto lindo da moça de olhos verdes não saía da sua cabeça!

Ele havia acabado de fazer a prova parcial do meio do ano, em segunda chamada, e ao se retirar da pequena sala onde outros alunos também faziam prova , ainda notou quando a moça dos olhos verdes lançou um olhar sonhador para ele. Não houve nenhum sorriso entre os dois, apenas os olhares se cruzaram muitas vezes durante a prova escrita. Mas esse último olhar foi o mesmo que um raio penetrando em sua alma. A sensação foi mortal, embora tivesse um doce sabor. No dia seguinte, durante as aulas regulares, a busca aflita para encontrar aquela moça que lhe tocara fundo o seu coração.Era uma sensação estranha, nunca sentida antes, mesmo porque o rapaz tinha apenas 17 anos.Afinal, três dias depois, a descoberta! Ela cursava o terceiro ano científico,provavelmente também com 17 anos de idade. A timidez excessiva não o deixava aproximar-se da menina. Conversar com ela então lhe parecia impossível. Alguma coisa teria que ser feita e veio a idéia luminosa. Faria uma poesia anônima para ela. Estava decidido: faria um acróstico. Mas como? Nem sabia o nome dela. Foi quando o seu melhor amigo daquele ano no Colégio Mello e Souza, o Luis Affonso, conhecido pela turma como Fon-Fon, resolveu ajudá-lo e se prontificou a descobrir quem era a moça dos olhos verdes , levando a poesia do amigo. O nome era Juçara, isso mesmo, com cedilha por debaixo do c. O impasse estava criado, quase impossível fazer um acróstico com esse nome indígena. O jeito era bancar o trovador e fazer pequenas trovas diárias, sem assinatura, e com o Fon-Fon de mensageiro. As trovas eram escritas à mão em pequenos papéis de cor azul, lembrando o mar da praia do Arpoador. Fon-fon já havia descoberto que a moça freqüentava o Arpoador e era exímia nadadora. Um mês inteiro com trovas diárias à espera de algum recado de sua musa.Nenhum sinal, porém. Com a saúde se debilitando, comendo muito pouco, com dores de barriga, boca seca e até tonturas, o pensamento fixo na moça, o nosso rapaz resolve fazer sua última trova terminando o que nunca se iniciou. Mais uma vez Fon-Fon procura intervir, marcando com a Juçara um encontro na praia, no domingo. É certo que na sexta-feira anterior, o rapaz até que conseguira falar rapidamente com a moça. Estava tudo acertado. Domingo se encontrariam na praia.

O sonho iria se tornar realidade. Naquele domingo o namoro emplacaria. Mas era preciso provocar algum impacto na moça. Sim, não seria demais pedir ao Fon-Fon que fosse com o carro do pai dele para a praia, um Chrysler, ano 1959, de cor preta, a cor dos táxis da época. Depois do banho de mar, já então provavelmente com maior intimidade, um passeio de carro pela Barra da Tijuca, com Fon-Fon de motorista.

Juçara em nenhum momento se preocupou com o seu suposto poeta. Tinha um círculo de amizade muito grande e estava envolvida com a turma da bossa nova, ditando a moda musical para o Brasil inteiro. Resolvera aceitar o convite dos rapazes porque a Praia do Arpoador era o seu habitat natural, estava sempre por lá.

Domingo, às 10,00h., Fon-Fon e seu apaixonado amigo estacionam o carro preto bem em frente à praia do Arpoador. Juçara já estava por lá e convida os dois para um mergulho. Ela adorava mergulhar de uma ponta de pedra que existe no arpoador, distante uns trezentos metros da areia. Deixou-se ficar por lá por mais de meia hora, boiando na água. Fon-Fon tinha ficado na areia para deixar seu amigo mais à vontade com a Juçara. Mas passados 10 minutos apenas, e o nosso trovador, com medo de ter cãibras, retornou para a areia e pacientemente esperou por Juçara, que continuava boiando, sem a menor pressa, mais parecendo uma sereia.

O candidato a namorado da Juçara se dirige ao seu amigo e traça um plano rápido: - Fon-Fon, assim que ela voltar da água eu vou convidá-la para dar uma volta de carro, um passeio na Barra. Claro, com você na direção. Certo? – Ok., amigo. Espero que você se dê bem e comece logo esse namoro, pois já está me enchendo o saco! É só essa vez,heim?

- Só essa vez, fica tranqüilo! Tem que dar certo, até calção novo comprei na loja mais cara de Copacabana, na Xavier da Silveira. Olha, lá vem ela, é uma verdadeira Deusa! E como é corajosa, a moça, esse tempão todo tão longe da praia. Vou dar o bote...

Um carro esporte conversível, Mercedes, vermelho, novinho em folha, capota arriada, para de mansinho e o motorista começa a businar, um rapaz atlético, boa pinta. De repente, salta pela janela gritando a todo pulmão: “ Juçara, Juçara!!! Juçara, com um largo sorriso, passa correndo sem nem enxergar o Fon-Fon e o trovador , atirando-se nos braços do pintoso. Ato seguinte, pula para dentro da Mercedes vermelha e os dois saem em disparada na direção da Barra da tijuca.

O apaixonado,voltando-se para o seu amigo,fala duro:

- Fon-Fon, isso que dá seu pai ter um carro velho e de cor preta, mais parecendo um táxi! Por isso que eu perdi a beldade. – O quê? Eu tenho o trabalho de pegar o carro do velho, servir de seu motorista e você ainda diz que a culpa é do carro?- Desculpe, desculpe, mesmo, Fon-Fon, o choque que eu levei foi muito grande. Vamos embora,rápido. Vamos comer uma pizza, pois eu não como há um mês!

(qualquer semelhança com pessoas reais é mera coincidência). Será?