DIAGNÓSTICO MÉDICO

Ganhei uma bolsa para estudar na Inglaterra, pois, com este objetivo eu havia estudado durante um bom tempo para adquirir fluência na língua.

Desembarquei em Londres, passei pela alfândega e tomei o avião para a cidade onde eu faria o curso na Universidade.

Era minha primeira viagem internacional para um país de clima frio e instável. Preparei um enxoval copiado nos figurinos que via no cinema e em fotografias. Roupas escuras e clássicas. Este tipo de roupa ocupa muito lugar nas malas, assim cheguei com malas enormes e pesadas.

O táxi me deixou num hotel que mais parecia uma casa de família. Uma moça me ajudou a arrastar as malas do táxi até a recepção. Indicou-me o quarto e informou que o banheiro ficava no final de um corredor. Fui ao banheiro e verifiquei não existir chuveiro e sim uma banheira decorada com uma fita larga e encardida de gordura acumulada. Gastei meu tubo de pasta de dentes e uma escova dental de reserva para tentar remover aquela nata nojenta. Em vão, a sujeira já se incrustara no esmalte. Enchi a banheira e mergulhei para relaxar da viagem.

Dia seguinte saí para conhecer a Universidade. Insegura quanto ao uso das moedas eu preferi ir a pé ao saber que não ficava muito distante do hotel. Ao voltar, fui cumprimentada pelo chofer de um pequeno caminhão com um ‘buongiorno’ tão cordial que sorri para ele.

No hotel fiz uma ligação telefônica ao setor encarregado da acomodação dos estudantes estrangeiros; a senhora que atendeu esperava contato e mandou me buscar.

Novamente arrastei minhas malas para um táxi e encontrei com a senhora aguardando por mim na portaria. Cumprimentou-me, disse adorar brasileiros, entregou-me as chaves do apartamento que eu ocuparia por alguns dias, informando que eu seria posteriormente transferida para morar na casa de uma senhora, locatária de quartos.

Fui a uma cerimônia de confraternização de estudantes estrangeiros em início de semestre, na verdade uma festa de boas vindas e assim encontrei outros brasileiros. Nesta oportunidade, conheci um estudante de medicina indiano que esteve no Brasil e que se tornou meu grande amigo.

Dias depois eu me mudei para a casa de Jean, funcionária da universidade e sempre me dava uma carona. Ela tinha um amigo, frequentador de sua casa para juntos cantarem em torno do piano tocado pelo rapaz, muito parecido com Elton John. Em sua casa eu cozinhava de vez em quando e ela apreciava meus pratos.

Antes do inicio das aulas, fui encaminhada a um médico e a um dentista. O médico se parecia com o ator Rex Harrison, o Professor Henry Higgins, do filme ‘My fair Lady’. A consulta constou de exames básicos e como tudo estava em ordem fui dispensada.

As aulas começaram e, logo percebi, minhas roupas eram inadequadas ao ambiente escolar, pois, exceto as funcionárias da secretaria da faculdade, quase todos os colegas, rapazes e moças usavam jeans, como também muitos professores. Pouco aproveitei da pesada bagagem.

Eu almoçava no refeitório da universidade e algumas vezes em pequenas lanchonetes das imediações e costumava também comprar frutas; aprendi a apreciar o ‘fish & chips’ e o pastel indiano samosa, ambos se tornaram alimentos habituais.

Um dia acordei com dores fortes na barriga e contei a Jean, ela me levou ao Doutor “Higgins”, deixando-me à porta do consultório e, retornando ao trabalho pediu-me para dar notícias sobre o resultado da consulta.

O médico, após realizar os exames básicos da rotina, fez inúmeras perguntas que eu respondia, porém ele demonstrava nada compreender. Desistindo de entender o que eu falava, o doutor me encaminhou ao hospital dando-me um memorando para ser entregue na recepção.

Curiosa, abri o envelope para saber do que tratava, qual não foi minha surpresa ao constatar que o Doutor “Higgins” pedia especial atenção ao meu caso por eu ser analfabeta (em inglês)!