A IRONIA DO VIVER II

30 anos se passara desde que abandonara sua casa!
Preferira a garrafa de cachaça, aliada às companhias dos falsos amigos e das prostitutas, à uma vida mais sólida (ou aterrorizante) ao lado da mulher que um dia jurara amor eterno e do fruto dessa união: uma filhinha, então com 1 ano.
Mas era muito moço à época: 21 anos e não tinha idéia nenhuma do que era ter responsabilidade.  Bastavam-lhe as noites recheadas de bebedeiras e mulheres pueris.  Mas os anos haviam passado e muita coisa tinha mudado na sua maneira de ver e sentir o mundo. Havia retornado para a sua antiga cidade a procura daquele que um dia fora seu lar, mas logo descobriu que nem sequer a casinha mais existia.
Foi com sacrifício que descobriu que pouco tempo depois de ter largado a família, esposa e filha tinham ido embora pra "Sumpaulo" a procura de um novo recomeço.
Foi com sacrifício também que conseguiu contatar antigas amigas da esposa e assim conseguir o endereço atual. Foram dias difíceis até convencer a esposa, por intermédio de uma cumadre muito achegada, do seu arrependimento e do seu desejo de recomeçar uma vida nova. Mesmo que não fosse ao lado da família que um dia abandonara, mas sentia profundamente o desejo de reencontrá-los e pedir perdão!  Ficara sabendo das cartas enviadas as "tuia" (grande quantidade) para esta cumadre. (Leu-as todas com lágrimas de profunda dor). Conheceu os lamentos das dificuldades passadas e as alegrias das conquistas nos anos seguintes. Sorriu ao saber que a filha, tornara-se uma jovem linda, educada, estudiosa e trabalhadora. Suspirou com a possibilidade de abraçá-la, beijá-la e chamá-la de "minha filha!"
Agora, apenas mais algumas horas e as reencontraria!  Chegara tarde da noite na rodoviária do Tietê e para seguir rumo ao seu destino iria demorar muito. Decidiu que ficaria por ali e somente nas primeiras horas do dia prosseguiria a viagem. Após uns minutos de reflexão tomou o sentido da Av. Ipiranga, indo finalmente sossegar nas calçadas da Rua Augusta aonde "as meninas" faziam seu ponto. Não relutou em pagar por um programa, afinal, havia trabalhado cuidadosamente a sua mente no sentido de se convencer que seria o fim das suas orgias, e que o novo dia traria para si e para todos um recomeço! E foi assim que se deleitou nos braços prazerosos e alucinantes de uma profissional do sexo, aonde deixou a maior parte de suas economias, mas a sensação tremenda de gozo e realização de todas as suas fantasias tal como nunca havia sentido em toda a sua vida de prostíbulo. Já era próximo ao meio-dia quando, enfim, chegou ao endereço desejado. Havia ligado avisando que estava chegando e pôde avistar na calçada, a sua espera, a esposa em pé, estática...  houve hesitação! Um misto de medo e alegria! Logo, ambos estavam abraçados e os olhos em lágrimas, enquanto balbucionava palavras engasgadas de pedidos de perdão. Por fim, adentraram a humilde e simpática moradia ao encontro da filha, que estava no banho, para a concretização final daquele sonho tão esperado! O coração batia forte, as pernas tremiam enquanto aguardava ansioso aquele momento ímpar! Ouviu pisadas na escadaria. Acompanhou nervosamente a descida que parecia não ter fim enquanto sua esposa sorrindo fazia a devida apresentação: Eis a sua filha!  Seus olhos arregalaram, sua boca secou, sentiu como que seu corpo paralisara! Ali, na sua frente, a jovem com quem havia passado a sua melhor noite...
Maurício Pais
Enviado por Maurício Pais em 23/03/2010
Reeditado em 23/03/2010
Código do texto: T2153889
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