A Prisão

     Através das grades, eles recordavam claramente os rastros perfeitos no tapete polvilhado de arroz e rosas. Os pés ainda lembravam o eco do caminhar cerimonial dentro da grande abóbada. O cheiro de perfume e hipocrisia espalhava-se pelas fisionomias rudes da cordialidade, à espera do julgamento final. Mas tudo ocorria como se o crime ainda estivesse para ser cometido e juízes e testemunhas se preparassem para a assinatura da sentença. Fazia um silêncio sepulcral, quando o réu reconhecia sua culpa. Realmente nada mais restava a ser feito, salvo se, à despeito de tudo, o réu caísse doente e não pudesse praticar o crime.
Mas a prisão oferecia a possibilidade de segurança e tranquilidade. E talvez eles pensassem que, com o passar do tempo, o bom comportamento lhes desse direito à liberdade condicional. Suportavam a prisão, portanto, de maneira resignada, mesmo quando surgiam oportunidades de fuga e que não faltavam. A atração que o cativeiro exercia neles, provocava um sentimento covarde de sujeição ás regras do jogo.
     Os colegas de cela tornavam a reclusão mediocremente agradável. E a fantasia era uma panacéia para os seus males. O lamento latente que poderia escapar de sua condição, transformava-se em grotescas piadas que passavam ritmadamente de grade em grade. E ressoava no presídio o burburinho que faziam, quando a imaginação se tornava mais fértil.
     Os dias de banho, aos domingos, a falsa liberdade, eram poucos e rapidamente usufruídos. À liberdade pequena correspondia um prazer incompleto. Mas sempre ficava a possibilidade de realização num futuro banho de sol, na semana seguinte. E a esperança com o passar do tempo diminuía, enquanto os testículos começavam a crescer e tudo indicava que aumentavam a cada banho de sol parcialmente realizado.
     O sol passou a trazer sofrimento para os criminosos, que supunham cumprissem pena de reclusão. E não era somente isso; a recusa do sol significava a atrofia dos testículos, que diminuíam por falta de uso. O detento assim oscilava entre um sofrimento e o outro. E a opção era igualmente lamentável.
Assim a pena verdadeira se assemelhava à cotação da bolsa de valores. Apenas não haviam as quedas e subidas bruscas. Tudo variava lentamente com o passar da vida.
     E, sob o comando do sol e da sombra, os testículos cresciam e diminuíam, de acordo com a personalidade mais ou menos sonhadora de cada detento. Quem possuísse um mínimo de bom senso compreenderia logo que somente havia dois tipos de prisioneiros: os esperançosos e os desiludidos.

     As carcereiras, que cumpriam fielmente sua missão, nunca em nenhum momento suspeitaram que os detentos tivessem pena diferente da que tinham recebido no dia do julgamento. Para elas, a pena oficial parecia muito fácil de ser resgatada, já que procuravam amenizá-la de uma maneira bastante eficiente. Julgavam que a reclusão era um benefício para quem não sabia usar adequadamente sua própria liberdade. E esmeravam-se em cuidados costumeiros e eficazes, especialmente através da ração produzida por elas.
     Diante de tal dedicação, era difícil para os presos e carcereiras suspeitarem da realidade de suas penas. Sim, porque as carcereiras também acabavam submetidas à penalidade dos presos. Toda a liberdade de que gozavam era utilizada no controle dos presos, que raramente conseguiam escapar da rigorosa fiscalização. Não podiam utilizar, portanto de maneira conveniente, os seus próprios ovários, que atrofiavam por falta de uso. As mais competentes carcereiras, inclusive os retirou, juntamente com o útero, para que não inflamassem ou desenvolvessem miomas.
     Do lado de fora das grades, corria o mesmo rumor surdo proveniente das piadas à meia-voz, sussurradas de ouvido à ouvido, para que os presos não ouvissem. E a gargalhada resultante ressonava baixo, ao contrário das gargalhadas dos presos que pelo menos usavam intensamente de sua pouca liberdade. Apesar das diferenças, no entanto, as piadas sempre era as mesmas.
     Quase nada resta para dizer do que era aquela prisão. Apenas que as sentenças se repetiam monotonamente através das gerações, que acabavam mais cedo ou mais tarde condenadas à prisão. E não podemos dizer que a prisão fosse uma forma desumana de castigo, já que o criminoso tinha liberdade de cometer ou não o crime pelo qual seria julgado. Muitos haviam, inclusive, resistido à tentação e continuavam do lado de fora, mesmo sob pena de terem seus testículos cortados, e que era bastante frequente, isto é, quando não perdiam a vida ...

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     Com o passar do tempo, o sol começou a diminuir o seu brilho e a esfriar gradativamente, e, dizem, somente voltará a aquecer, quando se tornar outra vez necessário.

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Publicado no jornal Fugareiro, Ano I, n. 6 - Rio de Janeiro, JAN/1977