A vingança do doce de leite

Levávamos uma vida pacata de interior, eu, meus pais e uma turma de irmãos, todos mais velhos que eu. Morávamos na fazenda de meu avô paterno. Além de nós, outros familiares também moram na propriedade, as casas ficavam a pouca distância umas das outras.

Um tio meu, irmão de meu pai, chamado Juvenal, de uns 25 anos, que morava com a gente, gostava muito de doce de leite. Muito mais que se possa imaginar. Se pudesse, comeria litros e litros do viciante doce.

Certa feita, muitos de nós fomos a uma festa, em outra fazenda, a umas oito léguas de distância de nossa casa. Era uma dessas festas animadas, à luz de lampiões, pois não existia energia elétrica na fazenda. Tinha danças, comes e bebes e quase todos ali se conheciam ou eram parentes. Logo era uma festa animada e descontraída. Lá, haviam duas casas. A principal, onde moram os proprietários, e logo adiante, a uns 150 metros, ficava a outra casa, que antigamente era a sede da fazenda, e que agora moram uns parentes dos proprietários. A festa era justamente nessa segunda casa. Havia lá, muito espaço, grandes varandas que comportava e acomodava confortavelmente a todos os convidados.

Na casa principal morava o seu Godofredo e sua esposa, dona Neném. Além do casal, também moram seus filhos. Entre estes, havia Helena, uma moça muito bonita, de uns 20 anos e que era namorada do meu tio Juvenal.

O povo estava na festa, todos animados, e meu tio, esperto, ficou na primeira casa, feliz da vida, namorando sua deusa.

Por volta da meia noite, dona Neném entra na sala e resolve ficar ali, fazendo companhia para o casal de pombinhos. Tentando agradar, foi na cozinha, pegou dois pequenos pires com doce de leite e oferece ao feliz casal. Meu tio Juvenal olhou aquele pires e vendo a quantidade mínima de doce, resolveu recusar. Em seu pensamento estava indignado com aquela quantidade irrisória de doce, era um insulto.

Dona Neném ficou por ali mais uns poucos minutos e se despediu, dizendo que ia dormir, estava com bastante sono. Era a deixa, pois o seu Godofredo também alegando cansaço já havia se recolhido a seus aposentos.

Como Helena sabia de sua gula por aquele néctar dos deuses, resolveu ir na cozinha e pegou a travessa inteira, que continha cerca de uns 3 litros de doce.

Agora os dois, ali sentados, ouvindo ao longe o som da festa, ele não pensou duas vezes: atacou sem dó nem piedade o delicioso doce de leite. Perto de um litro doce foi devorado. Em seguida, disse que estava com sede, e Helena lhe traz um copo enorme, cheio de água, que foi avidamente devorada.

Mais alguns minutos, e o sono chegou. Helena lhe preparou o quarto de hóspedes. Os dois trocaram alguns amassos e beijos e o meu tio Juvenal foi para seu quarto enquanto que a sua doce Helena foi também dormir.

Meia hora aproximadamente se passa e eis que a vingança do doce de leite se manifesta, em forma de dor de barriga. Ele começa a se sentir mal, a suar frio. Teria que ir num banheiro o mais urgente possível. Então se levantou, e no escuro, tenta encontrar a fechadura da porta. Tateando, ficava passando as unhas na porta, no desespero de tentar encontrar a saía. Com o barulho, seu Godofredo acorda, e pensa que se tratava do cachorro da casa que ficara preso e estava tentando sair.

- Neném, Neném, acorda!

- Humm... Não quero transar agora não, deixa eu dormir...

- Não é nada disso. É o Hulck, que está lá na sala, querendo sair... Vá lá e soltá-lo.

Dona Neném acende um lampião e vai até a sala, e então percebe que o barulho provém do quarto onde meu tio estava. Abriu a porta e se deparou com o pobre homem, já meio vesgo, ficando meio azul. Ele mal comenta que está precisando aliviar, e sai em disparada, rumo ao quintal. Dona Neném volta para a cama, deixando o lampião aceso, perto da porta da sala, do lado de fora, para quando o meu tio voltasse não tivesse dificuldades.

Na corrida rumo ao alívio, meu tio escolheu se abaixar atrás de uns arbustos, a poucos metros da casa. Assim que ele se abaixou, o barulho da vingança do doce foi enorme.

Seu Godofredo, de sua cama, ouvindo o barulho estranho comenta:

- Parece que está desmoronando um pedaço de serra!

- Não, é o Juvenal que está passando mal lá no quintal. – Explica Dona Neném

- Tanto assim, é?

- Pois é... Precisava ver o estado em que ele estava, quando abri a porta...

Agora um pouco mais aliviado e muito mais leve na balança, meu tio percebe que fora em direção à festa! Ele estava agachado atrás de uns arbustos entre as duas casas. Suas calças estavam abaixadas até os joelhos. Pouco adiante ouvia o barulho de sanfona e violão, onde algumas pessoas já meio cansadas e sonolentas dançavam.

O imprevisível acontece: No quintal havia alguns porcos que teimavam em sair de seus cercados e ficavam por ali, à cata de algum alimento. Entre esses animais, havia um cachaço enorme, preto, que tinha uma força descomunal. Pra quem não sabe, porco gosta de comer fezes humana. Ora, esse cachaço, com o seu faro afinado, foi guiado até onde estava agachado o nosso herói! Chegou por traz de meu tio, sem que ele percebesse, e meteu a cabeça entre as pernas dele, na gula para devorar o produto da sua dor de barriga. Ele se assustou muito com aquela inesperada visita, e tentou expulsar o bicho. Naquilo, o animal, que tem fama de ser obra do diabo, também se assustou e tentou se afastar. Ocorreu que como as calças de meu tio estavam abaixadas, o bicho achou de enfiar a cabeça entre a bunda de nossa vítima e as suas calças, ficando enroscado. Tio Juvenal ficou meio que montado no lombo animal, numa montaria maluca. Como ele tinha muita força, saiu correndo tendo meu tio às suas costas, como em um rodeio improvisado. Adivinhem a direção que o bicho tomou? Da festa!

As pessoas estavam ali dançando, meio sonolentas, quando se depararam com uma gritaria danada e o pobre homem montado na fera, num galope esquisito. Nesse momento, todos se despertaram, diante daquele fato inusitado. Para completar a vingança, o bicho achou de se desprender do meu humilhado tio, justamente no meio das pessoas e em seguida sumiu na escuridão do quintal. O coitado caiu ali, de bruços, com as calças na altura dos joelhos, sujas e rasgadas e com a bunda terrivelmente imunda, com fezes espalhadas por todo lado.

O susto de todos passou, dando lugar agora a sonoras gargalhadas. Algumas pessoas começavam a se contorcer, tal o estado em que ficavam de tanto rir.

Meu estimado tio se levantou, cabeça baixa e humilhado, tentando subias as calças e se dirigiu a seu velho jeep, entrando e dando partida, saindo de imediato daquele palco.

Contam que ele não mais voltou lá, nem mesmo pra rever a sua Helena!

Quanto a nós, que estávamos de carona com ele, tivemos de improvisar outros meios para voltar pra casa, assim que o dia amanheceu.

Faria Costa
Enviado por Faria Costa em 26/05/2010
Reeditado em 13/09/2013
Código do texto: T2280740
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