Com um Ar de Inevitabilidade
Resolvi sair pra passear lá no fundo. Eis que estava tudo nublado e confuso, e eu não conseguia caminhar muito. Sempre esbarrava em algum obstáculo, ou tropeçava e caia, acertando o chão com um barulho pesado. Ah, a gravidade. Grave. Idade. Então resolvi ficar sentado, mesmo que meus joelhos doessem pra cacete e o sangue escorresse sobre meus olhos. Tudo difuso, mesclado enevoado. E eu não via nada além de um palmo adiante do meu nariz, que, a propósito, também sangrava.
Ai ai.
Tédio.
Que dia é hoje?
Sexta? Sábado? Quinta?
Tanto faz, estou envelhecendo sentado aqui e ainda não fiz nada de importante. Essa espera me mata. Então, é aqui que tudo termina? Ou começa? Expresso da meia-noite, paradas ao meio-dia. Gosto metálico na boca, minha garganta anestesiada e eu sinto saudades dessa anestesia temporária.Mas é isso aí, temporária. Odores, cores, visões e contatos que não acontecem mais e minha memória sensorial fica brincando comigo.
Me prega umas peças e eu fico aqui revoltado, impotente.
Que fazer? Que ser? Que pensar?
Sempre aquelas mesmas velhas perguntas, não é mesmo, velho amigo, velho inimigo? Pois bem, agora que tudo segue sua ordem natural... Espere aí! Não há ordem natural!
Está tudo errado!
Quem é você?
Porque fala assim comigo?
Ah, deixe de bobagens, não me venha com essa história velha. Não cola, sinceramente. Deixa disso e faça alguma coisa. LEVANTE!
Ah, não posso, minhas pernas doem pra cacete...
Minhas costas, minha cabeça, o corpo todo dói e lateja.
Ferve. Mal posso mexer meu pescoço, que o meu cérebro se comporta como um chocalho e eu sinto vontade de morrer. Engraçado, essa vontade me é estranhamente familiar.
Há algo espreitando, uma sombra com um ar de inevitabilidade. Esses dias estão muito enevoados ao meu redor. Sempre humor inconstante e cansaço inevitável.
Tédio tédio tédio.
Onde foi parar aquele meu remédio?