Algo Errado.

A gilete virgem em cima da mesa causava arrepios. As unhas longas e vermelhas pareciam tingidas de sangue. As taças de vinho, negras, transpiravam sobre a mesa.

Pedro Toledo contemplava aquele quadro surreal. Os pêlos do corpo arrepiados, pois naquele momento seu anjo da guarda o abandonara. No toca-discos, a nona sinfonia de Bethovem o levava a vidas passadas, cobrindo-o com uma nostalgia inebriante. Ao lado do espelho uma puta, com um vestido campari, bem decotado, de cabelos longos e negros, e pele pálida, o observava. Sozinho na festa, ele não exita em se apresentar àquela dama fantasmagórica. Caminha até o bar, compra duas taças de vinho tinto seco, e a convida para sentar. Antes de qualquer resposta ela acende um cigarro, filtro branco, como sua pele.

Logo penso: e agora?

Será que ela responderá sim? Ou um não fulgurante em minha face amarelecida.

Em seguida, com aquele olhar negro e o caminhar flutuante, quase que hipnotizante, ela segura a mão de Pedroca e o leva para um cubículo sujo e sórdido.

Do corredor até o cubículo, Pedroca, por um acaso de sua percepção, não enxerga os pés da puta, que dava a impressão de simplesmente flutuar.

Das paredes vozes murmuravam o que o sexo de melhor tinha a dizer. Uma orgia assombrosa. Pedroca, louco de medo e de excitação, parou e pensou: será que tudo isso é um sonho, ou um pesadelo? Nisso, sua narina esquerda lançou uma gota de catarro no ar.

Enfim, chegam até o quarto. Na parede um quadro com uma face bizarra estampada fita o olhar de Pedroca, que mesmo assim tem a paciência de perguntar as horas: 23hs:00!! A puta responde 24h00 em ponto, ou seja, a hora morta!.

Pedroca toca o rosto da puta e percebe um corpo gélido, feito um picolé da sorveteria do Barbosa. As unhas da puta, com uma coloração enegrecida, denotam a fantasmagoria que lhe é peculiar.

Um cigarro, por favor! Um cigarro, por favor!

Dá-me!

Entregue está.

Fumo aqui ou lá?

A partir de então, não se sabe mais qual o cigarro, qual o cidadão, na confluência anímica da fumaça.

Sei que por fim o mal-estar estará por incomodar, a atazanar a boca do estômago em êxtase.

Pedroca, pela décima terceira vez no dia, voltou ao inferno e lá se regozijou. Ficou pervertido.

Provavelmente ninguém o viu perambular com sua bicicleta voadora pelas ruelas sujas da cidade, mas lá estava ele, a rodar, a rodar, a cambalear, a desejar amar alguém, mesmo que por um segundo, que o salvasse do aniquilamento louco que o persegue desde a concepção.

Lá vai Pedroca, feito um camaleão, talvez sem saber que em vão, a percorrer os caminhos da ilusão.

O amanhã com certeza surgirá diante suas retinas “fatigadas”. Por tudo praguejará, não pagará ninguém mais, não mais respirará, quem sabe, talvez, nem mesmo se erguerá do leito, que será o de MORTE!

Pedroca e sua vida boboca a achar que o errado é certo, e que o certo é careta.

Contudo, mesmo ciente de não saber tudo, lá vai mais uma vez Pedroca, a arrancar grossas lascas de sua própria existência. Um dia a mais, uma noite em seguida. Sentimento, um celular ganho na despedida, uma partida.

Pedroca não é cão, mas se sente um. Tem medo do dono que misteriosamente comanda seus dias. E que dono é esse? Questiona Pedroca, que, repito, não é boboca, pois se assim fosse todos os outros também o seriam.

A madrugada absorve sua vida e a de seus entes próximos. Sua casa provavelmente está aberta; sua cama arrumada. Amanhã com certeza haverá um café da manhã a lhe esperar, isto é, se acordar.

Dia houve em que Pedroca resolveu não acordar. Muitos vieram a seu encontro, ligaram, mas nada, Pedroca não dava sinal de vida, o que suponham estar morto. Porém Pedroca não morre, Pedroca é duro de aço, aço inoxidável, feito as bateras do Sepultura. Há um contraste que o motiva a persignar dia-a-dia em prol do existir, mesmo que a lua morra ou o sol não nasça lá estará Pedroca, feito uma rocha de calcário áspero a resistir pela existência a fora, como outrora, como agora, como amanhã e depois de amanhã, seja qual for o dia que lhe derem, Pedroca arrastará sua carcaça insana pelas estradas estranhas, que seja, não importa...

Não importa. Ontem deixei de comer o pedaço de torta que minha tia me ofereceu. Diante disso, me pergunto: evitei uma gastrite ou perdi a oportunidade de saborear uma guloseima?

O que vale mesmo nisso tudo que até aqui discorri, é mesmo o leito de vida que hei de me aconchegar logo-logo.

Transpiro feito um porco velho prestes a se tornar parte de feijoada.

Anseio desesperadamente por uma explicação do porque me colocaram nesta situação de vida diária de ração, paixão e ódio, a lá Shakespeare.

Um desencarnado deve ver com saudosismo os momentos de prazer carnal. Deve sofrer por falta...

SAvok OnAitsirk, 07.11.06.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 12/07/2010
Reeditado em 07/06/2016
Código do texto: T2372518
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