Pós Mortem

Acordei pela primeira vez vinte e seis anos após meu primeiro falecimento.

Eram poucas horas da madrugada quando minha derradeira respiração tomou conta do ambiente terreno. Algumas bitucas de cigarro jaziam apodrecidas no chão da alcova onde me prostrara. Meu nome, não sei. Aliás, nem sei se de fato o tinha.

Os fatos e circunstâncias que me trouxeram até este computador, a computar minha dor, não me foram esclarecidos. O que posso dizer é que estou aqui, simplesmente, sem nexo causal com o que quer que seja.

Sei que morri, quanto a isso não tenho dúvidas, pois assisti ao meu próprio velório e enterro. Por fim, senti os vermes roerem minhas entranhas. No estertor, senti cócegas. Após, a escuridão.

Transitava por ruelas torpes da madrugada vazia, quando algo meio que explodiu dentro de meu peito. Fui logo acometido por um sufoco insuportável, que por fim me levou aonde agora estou. Por tudo que passei, por tudo que vivenciei, os abusos e cautelas que marcaram minha parca existência, não foram motivos para que a morte me ceifasse na alvorada da vida!

Confesso que uma certa felicidade tomou conta de meu ser quando descobri que, mesmo estando morto, e ciente disso, estava consciente e de alguma forma vivo, por mais incongruente que seja tal argumento.

Sempre acreditei em Deus, mesmo que às escondidelas, pois gostava de ser tachado de comunista e ateu. Porém lá no fundinho de meu âmago tinha a plena convicção de que Algo a mais comandava meus dias...

Cristiano Covas, 2.006.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 12/07/2010
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