A HISTÓRIA DE ÊNIO - longa redação

Do livro "Os Meninos dos Mistérios" de Luzirmil

-Minhas recordações daquele dia até hoje me estremece e compunge-me a alma – iniciou Ênio - Recordo-me que eu havia ido com minha mãe buscar água numa mina próxima de minha casa. Morávamos numa pequena chácara que até hoje nos pertence, nas proximidades de Montesi. Enquanto minha mãe apanhava a água, ouvi um som mavioso, como de uma suave flauta. Olhando para o lado daquele som vi um menino, que a meu ver seria um espelho meu. Tinha os cabelos louros e os olhos azuis. Ao vê-lo ele me disse. Venha cá Enildo, vou lhe mostrar alguns brinquedos que possuo.

Curioso, dirigi-me em sua direção, sendo que ao me aproximar ele estendeu sua mão, e tomando a minha pôs-se a me conduzir por entre as árvores ciliares da grota da mina. O interessante é que minha mãe não percebeu meu desaparecimento, pois retornou pra dentro de nossa casa completamente esquecida de que eu havia ido à mina em sua companhia.

Tenho vivas lembranças dos momentos em que estive com o menino loiro! Achei-o misterioso. Jamais havia visto criança semelhante. Andamos à beira da corrente de águas por uns cem metros, quando por vim adentramos no oco de uma grossa árvore. Eu lembrava-me de conhecer todas as imediações de nosso sítio, porém nunca soube da existência daquela árvore. Era de um diâmetro fenomenal. Pude ver que entramos num salão esplendoroso. A luz que iluminava o ambiente era âmbar, contudo eu via tudo com uma clareza tão expressiva que me encantei só de observar. Havia alguns quadros numa das paredes, que pareciam ter vida. Num deles retratava um vulcão. Ainda pegado à minha mão a notável criança me conduziu em direção àquele misterioso quadro que ao aproximarmo-nos começou a tomar uma forma gigante, passando de um simples retrato a uma misteriosa realidade, conduzindo-me sempre, entramos nas dependências daquele quadro. Acompanhando-o levou-me à boca do vulcão. Sem me opor, me deixei ser levado pelo menino, que num salto abismal descemos no precipício que parecia infinito, chegando num espaço onde havia luz, porém obscurecia por uma névoa. Lá ele disse-me:

-Enildo sente-se naquela cadeira – apontou-me uma espécie de trono – e veja na tela do além, as assombrosas aparições as quais deverás atenciosamente observar, para teres sempre em lembrança, pois entre outros, fostes escolhido para ser chamado “O menino dos Mistérios”. Deverás conhecer muitos deles, sejam embaixo e em cima da face da terra.

A seguir vi, como numa tela de cinema, as mais bisonhas cenas. Surgiram animais pré-históricos, homens e pássaros que eu jamais vira, nem mesmo em minhas imaginações. Vi coisas contemporâneas; guerras, sangue, morte e explosões; labaredas de fogo surgindo do nada. Mas o que mais me impressionava, eram os sons que pareciam estar dentro de minha cabeça, formando uma espécie de gravação cerebral a tal ponto que, não suportando, gritei: Socorra-me, ó menino de meu aspecto!

Eu porém não o via, nem perto, nem longe; contudo os aluviões, os temporais, os relâmpagos e até o que me parecia ser explosões atômicas, já que surgiam imensos cogumelos de fumaça acima daquelas medonhas visões, eram uma constante.

Eu já tivera pesadelos, porém aqueles momentos de visões estavam acima de qualquer aflição. Os sons pareciam estar presentes em fones colados aos meus tímpanos. Além das bizarras cenas, havia uma espécie de espantalho do qual eu não conseguia fugir, pois nem podia me mexer no trono onde me sentava. Eu queria fugir dali - mais por causa dos sons - que eram tão impressionantes a ponto de até hoje ecoarem em minha cabeça! Quando me considerava quase louco, vi sair daquela misteriosa tela, meu acompanhante que dando-me a mão, num vôo ascendente levou-me para fora do tenebroso vulcão, conduzindo-me ao misterioso salão, que em meus sentidos, se encontrava no oco da grossa árvore.

Pude ver na parede, outro quadro contendo muitas estrelas. Ao aproximarmo-nos houve a mesma transmutação. Percebi que surgiu o Universo, por entre o qual, meu sósia, ainda pegado à minha mão conduziu-me num vôo inter-estelar com velocidade inimaginável, isto é, me pareceu estar voando num espaço de milhões de 1parsecs em frações mínimas de tempo. Percebi que aos poucos foi surgindo uma 2híade, em cujo conjunto penetramos; tão próximas eram as estrelas umas das outras que havia uma intensa luz; porém eu não sentia o calor de suas reações atômicas. Meus perplexos pensamentos as vezes se alinhavam e eu percebia que estava num outro universo, onde certamente havia luz, porém sem o calor produzido por suas fontes. Nosso translado chegou ao final, quando ao centro daquele conjunto de estrelas, vi como uma apresentação de uma peça teatral, a viração da humanidade. Me pareceu ver um futuro mundo: todos os países, as cidades, as ruas, os vários

movimentos. Vi carros, porém sem rodas. Tudo parecia ser coisa do futuro. Pude perceber ao fundo daquele impressionante palco uma cadeira, idêntica a que eu vira no interior do vulcão; era um trono. Sendo-me ordenado por meu sósia que me sentasse nela., ao fazê-lo ele disse-me:

-Ouça agora Enildo, os diversos sons que sairão da viração do mundo: Serão decodificados de maneira que entenderás e haverão de ficarem registrados em seu subconsciente. Tais registros te darão o dote de entenderes e expores os enigmas, cujo dom, muitos sábios da Terra não possuem.

Pude ouvir um som contendo fundos harmônicos formados por vozes humanas, misturados de tal forma, que a princípio eu nada entendia, mas na seqüência os sons foram se sobrepondo, e como se fosse uma única voz contendo uma gama larga de timbres disse, como que dentro dos meus ouvidos:

“Vieste ao mundo da imperfeição”

Ha luz, porém há também as oponentes trevas para escurecer os arredores!

Ha paz, porém há também o burburinho para que não descanses os seus ouvidos.

Há futuro, porém oculto pela barreira da transcendência, que poderia abrir o horizonte para outro Universo!

Ha ciência, porém obscurecida pela força da ignorância!

Há amor, porém dentro de três ciências, sendo que a primeira denigre a segunda, que contaminada, se distancia da terceira!

Ha vida, porém o perigo é uma constante para anulá-la!

Ha união, porém os sentimentos do amor próprio a desalinha tornando seus caminhos separados!

Ha inteligência, porém a memória embrutecida diminui suas virtudes.

Há confiança, porém o desequilíbrio gera a incerteza, declinando suas virtudes!

Este é um mundo longínquo, reflexo do seu, onde estás absor-vendo o adjetivo da diferença!

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Após eu ter ouvido aquelas frases, vi como que sendo uma fumaça envolvendo os arredores. Tudo que era luz foi ofuscada por aquela interferência, momento em que pude sentir que estava em meio a uma intensa neblina, dentro da grota, onde minha mãe estivera pegando água. Percebi que meu sósia desapareceu entrando em meu próprio corpo. No momento me senti como se estivesse leve a ponto de, se desejasse, poderia até voar; contudo mesmo querendo fazê-lo, não consegui. A partir daquela manhã, algumas coisas estranhas começaram a acontecer comigo, mormente no sentido de entender alguns assuntos obscuros. A tal ponto fiquei desalinhado dos procedimentos das demais crianças que passaram a denominar-me de “O Menino dos mistérios”. A razão de apelidarem-me como tal se base-ava em minhas palavras, que as vezes formavam frases, contendo substantivos e verbos, trocados, com as mesmas letras, como uma quando minha mãe cortava um tecido velho em tiras para fazer um pequeno tapete, eu lhe disse: “Aproveitas tiras fazendo um tapete, e dele tiras proveito!”