Jorge Vacilante.

Lá vai Jorge Vacilante nos seus oitenta e seis anos de desafio constante.

A vida sempre lhe figurou como um campo de batalha. Assim a viu, assim a viveu, assim a desbravou.

Porém Jorge certamente já não é o mesmo dantes. Progredira no comércio de cervejas e refrigerantes, constituiu família, adquiriu propriedades rurais, criou onze filhos, todos deveras educados, porém pouco estudados, caminhou, peregrinou, sonhou, amou...

A esposa, pobre-diaba, morreu de sífilis, louca, ansiando desesperadamente, em seus últimos tremores, salvar a humanidade inteira. Os filhos, ah!, esses sim, correram a fundo suas atividades de latifúndio, cresceram profissionalmente, abastaram-se financeiramente, criaram também filhos e netos, e vivem o limiar da vida como se o tempo ali parasse, sonham ($$$), já não dando muita atenção ao velho ancião.

O velho Jorge, por sua vez, com o passar dos tempos, foi perdendo o contato com o Mundo exterior, ficou surdo e já não enxerga muito bem com os dois olhos, além de caminhar vacilante, trêmulo e ao mesmo tempo sôfrego.

Contudo, em sua voracidade existencial, nunca se deixou abater por picuinhas mundanas, e prossegue, caminhante, pelos percalços restantes.

Lá vai mais uma vez Jorge Vacilante, o cavaleiro andante do reino dos dias distantes... Qual Dom Quixote vive a combater seus demônios imaginários.

Os sonhos de outrora ficaram perdidos nos tempos do antes e, até esta vida, a sonhada, tornou para si por demais dolorida “. Jorge, Jorge, grita sua consciência, quantos momentos vividos e agora perdidos!”.

Vá, prossiga, mesmo que cambaleante, pelas ruelas estranhas do incerto futuro que o aguarda. Jorge de tantas lidas, de tantos cascos..., Jorge de hoje e de outrora, e de tantas outras que se hão de consumir nesta longa vida que inexoravelmente pouco consola...

Cristiano Covas, 07.10.05.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 12/08/2010
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