Mundo Cão.

Sentado sozinho no boteco “Japa Girl”, tomando umas geladas, deparei-me com três situações que ao todo me fizeram abandonar o bar e ir direto para minha cama, com medo.

Andei percebendo que logo que caí de cara nos trinta minha visão sobre algumas situações se transformaram drasticamente. Em primeiro lugar tenho me interessado mais por religião. Não que queira freqüentar alguma, mais por assuntos polêmicos relacionados com ela, a polêmica. Por outro lado tenho me preocupado excessivamente com a saúde, doenças e coisas decorrentes de má-alimentação, genética, essas coisas todas. No Japa, para se ter um exemplo, num primeiro momento nosso assunto direcionou-se para os dentes desgastados do próprio Japa, dono do bar, desgastados mais pela idade (uns 50) do que qualquer outra coisa, o que ele alegou serem devido às linhas de pesca que costumava cortar com os dentes, o que, como dizia, até fazia um estalo. Logo vieram assuntos similares, tais como os últimos dias de seu pai, que sofreu pacas com doenças decorrentes do uso do tabaco, sofrendo feito louco com isso, sem ar, sufocado, resmungão, e com morte dolorosa. Mal conseguia fazer nada, tamanha fraqueza. Daí em diante as circunstâncias se encarregaram de me empurrar para a ladeira da dor da vida. Vieram-me uns garotos delinqüentes, disfarçados de engraxates, pedir-me grana na oportunidade de no embalo roubarem meu celular que dava mole na mesa. Mas eu não dei, logo o resgatando do ponto onde se encontrava. Estou pagando até hoje esta porcaria. Um deles jazia sem cor, com um enorme furúnculo no pescoço e com os dentes apodrecidos, no limiar de seus quinze anos. Coisa surreal para quem teve uma infância aprazível como a minha. Aquela criança era um experimentalismo dos Poderes da Nação sobre os limites suportados por crianças de rua: quanto tempo agüentariam as mazelas da vida mundana, suas perebas, influências e demais situações vis. Assustador o resultado. O menor vangloriava-se de seus crimes cometidos, contando-os como se fossem pontos positivos no livro de sua existência.

“Não, não. Daquela vez não roubamos nada não. Só sujamos o local de merda, ovos, maionese, urina e pixadas... ri, ri, ri...”

Ao dar risadinhas soluça conjuntamente, mostrando um buraco negro entre os dentes frontais. Quando não um buraco em seu caráter, em sua formação psíquica.

Pede-me um real, o que me faz abrir a carteira para ver se tinha trocado. Tinha dinheiro, mas não sabia se um real trocado. Tinha dois. Peço para o Japa trocar por duas de um. Enquanto isso noto que se movimentam e logo comentam entre si: “Sê viu, mano, só tinha “oncinha!”.

Dei a grana, um resto de batata de saquinho que estava na mesa, sabor horrível, “o novo sabor da moda”, e mandei-lhes cascar fora.

Achando-me livre para ingerir mais uns goles generosos da cerveja, me entra no boteco Josi, a Magra, com sua debilidade endêmica. Assustei-me com sua vitalidade seca, porém, não havia como me esconder.

Foi direto ao balcão, antes de tudo, comprar desesperadamente um maço de cigarros “L&M”, que deveria se chamar mais apropriadamente LMC, ou seja, Leve a Morte Consigo. Ao adquirir o produto e com uma ânsia desesperada, foi logo arrancando os lacres, sacando um de dentro do maço e acendendo-o com mão trêmula, balbuciando:

“O maldito do Assaf perdeu a cor e a alegria de viver. Não quer saber de mais nada, só fica deitado bebendo e usando drogas, vomitando de tempos em tempos. O médico já alertou, se esse Assaf não mudar o ritmo de vida podem preparar os acertos fúnebres. Onde já se viu, até pouco tempo pesava cento e onze quilos e agora pesa somente cinqüenta e dois!”. Que secura! Que merda!

Nisso fora-se com o assunto pela metade, já adentrando em outro:

“Meu menino ficou doente com uma pedra no canal urinário por duas semanas, rolando de dor, aos berros na cama. O negócio não saía nem entrava, entalou. Só depois que o Assaf deu uns socos no estômago dele é que o negócio saiu de vez, juntamente com umas bolhas de sangue. A partir daí a dor sumiu, e olha que ele nem sequer tomou doril! O Assaf é bom pra essas coisas!”.

E foi-se, tragando seu desespero, carregando sua magreza, sôfrega, pelas ruas da cidade...

Cristiano Covas, 26.5.06.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 08/09/2010
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