Iracundo

"A volúpia do ódio não pode ser igualada à volúpia de ser odiado" (Fernando Pessoa)

Sabes por que foste ludibriado, meu rapaz? Porque atenção não prestaste. Porque, à ela, permaneceste indiferente.

Não faça dos seus desejos uma justificativa. Pois falo dela, apenas dela.

Falo de suas expectativas. Seus anseios. Seus detalhes. Que constituem o oceano de seu querer. Falo daquilo que lhe é caro. Tudo aquilo que deixaste, tu, em negligência, e à ela, havia de ter valor imensurável.

Na ordem das coisas naturais, aprendeste a ser o mais egoísta, ainda que filantrópica considerasse suas obtusas escolhas.

Nunca, na veia da verdade, a olhaste de fato, não é?

Aqui digo-lhe que não. Pois, conquanto crê que sim, observa onde ela pousou interesse.

Em quem, ela, envidou esforço diligente. Aquele que ruboriza a alma, tamanha sofreguidão entregue.

Vês?

Mas, espere. Não abra a porta para o desespero. Confidenciou-me, a beleza de rutilantes olhos insólitos, que o ama.

Sim!

Ah, esse sentimento que entrega todas as nossas fraquezas. Esse verbo intransitivo que nos deforma, faz-nos tolos e cegos. A sua presença, ela, ainda, por tempo que ignoro, freme as alegrias do futuro, mesmo com vaticínios desanimadores a regular por vezes o que se vê.

Sabes por que foste ludibriado, rapaz?

Enganou-o a falta.

Aquela que o helênico notório empresta as conjecturas amorosas e provoca-nos, então, a desafiar.

Em mim, a beleza cruel e inefável que consome nossos sonhos, percebeu esta falta. Sentiu-a e encantou-se. A falta que consome. Que posta dúvida naquilo que respira lá no fundo. Que entrega possibilidades incomuns. A falta que alimenta o desejo.

Qual?

Todos.

Das vibrações da pele ao furor do espírito.

Sabes por que foste ludibriado, rapaz?

Chega! Não te sinto pena. Alerta-lo? Talvez. Não bem o sei. Se, ela assim o quisesse, mostrar-te-ia a fúria das conseqüências de um peito que arde.

Na doença mais cruciante da carne, onde os sentidos perdem a lucidez e entregam-se, de bom grado, aos mais lascivos ensejos.

Rogo-lhe a prepotência, fica assim estabelecido, sobre ela. Faze por se esforçar, rapaz. Do contrário, outro homem da natureza provocar-lhe-á o interesse novamente (penso que sabes estar, eu, a falar dela).

E, desta feita, escrúpulos como os meus não terá. E tu, pobre, ficaras, a saber, onde a atenção faltou. Onde a falta precisou existir. E ela, embriagada pelo calor dos corpos, te dispensará o ridículo. Aquele que elas promovem ao homem que as considerou prontas.

Sabes onde foste ludibriado, rapaz?

Se responderes não, falhar-te-á logo o amor que tanto lhe interessa.

E, desta feita, ela não fará questão do esforço.

Sabes, então?