O fim traja-se de início e os pássaros cantam "adeus"

Há certos momentos que são definitivos, algumas vezes não nos damos conta disso. Como aqueles momentos da tua infância em que de crianças passa a ser qualquer espécie de nível mais, aparentemente, elevado: fase em que o pai e a mãe já não te levam mais para o colégio, a fase em que pode ver televisão até um pouco mais tarde, até mesmo poder assistir aqueles filmes que antes tua faixa etária não alcançava. Com isso, vem a fase de aprender a beijar, de amar e não falar, de fingir estar bêbado em festas que terminam à 1 da manhã porque todos devem explicações para os pais que os aguardam em casa.

Então, nos aparece a fase de já ter descoberto tudo, aí é que te torna uma espécie de Deus mesmo: vai embora da universidade dirigindo teu próprio veículo, sem ninguém a te esperar quando chegar em casa. Tu tá acordado e todos estão dormindo, hoje quem faz teu próprio sanduíche é tu mesmo, agora com mãos grandes, firmes e mais ábeis. Também faz tua própria cama, e mamãe já não aparece mais na beira do leito para uma história ou um beijo de boa noite. Agora é apenas tu e a escuridão, uma vez que não necessita mais dormir com aquele filete de luz vindo do corredor que proporcionava aquele pouco de claridade ao teu quarto. Na maior parte das noites, o escuro já não te causa mais medo e teu maior inimigo passa a ser tua insônia: cadê a vida que começava nova e limpa, como uma roupa recém comprada? Parece ter transformado-se em velho trapo de fundo de armário, que precisa se desfazer, para fazer espaço para o que é novo.

Um dia, vai-te enxergar em frente a um padre, um juiz ou algo do tipo, vestindo branco e entrelaçando braços com um homem que provavelmente é o dono do corpo que ao teu lado deitará nu durante muitos dos anos seguintes, nessa tua cama que hoje dobra o tamanho. E toda a liberdade adquirida na saída da casa dos país, corre o risco de transformar-se em cinzas ao vento em um simples assinar de papéis. Descobrirá o quanto detesta discussões, o quanto tua mãe estava certa e o quanto amar é complicado. Porém, há grande chance de haver sempre um sorriso vagamente estampado na tua face, isso se for amor, aquilo que acredita sentir. Senão, desejará, possivelmente, nunca ter nascido, desejerá voltar atrás. Ainda que uma parte de ti diz que uma vez que se abandona o lar, se perde o direito de assim poder chamá-lo: como se voltar para a casa onde foi criado fosse qualquer coisa como atestar o fracasso do adulto para o qual evoluiu desde aquela criança brilhante sorridente que pelos cantos dessa casa, há 20 anos atrás, corria.

Algumas dezenas de anos depois, se não tiver sorte, estará de pé em frente a um buraco de terra. Nas mãos, um punhado de flores. No rosto,uma lágrima cravada no canto do teu olho direito. Tentará convercer-te de que ah, são coisas da vida. Contudo, após esses anos que se passaram, ainda não foi capaz de entender que, ao abrir a porta do teu velho apartamento decorado em melhor estilo anos 60, não haverá mais ninguém sentado no sofá da sala para te receber, perguntando a ti como havia sido o dia. O tempo passa e nem tu nem eles nem eu percebemos que, de certa forma, crescer é arte de aprender a ser só.

Chana de Moura
Enviado por Chana de Moura em 19/10/2010
Código do texto: T2566192