DE REPENTE...

DE REPENTE...

Sergio Pantoja Mendes

... de repente, falou: - Maldito! Por quê tardaste? Poderias tê-las salvo, mas tardaste. E chorando relembra... Mariasinha... tão quieta e tão meiga... Olhos negros e serenos, até que sem mais nem menos, aconteceu... De repente, numa sucessão rapidíssima de acontecimentos... O grito, a freada, a corrida, o corpinho caído... O hospital, o caixão, o enterro, o choro... Choro de mágoa, de rancor, de impotência ante o destino. Choro de muitas noites, de muitos dias, de muito tempo...

Depois. Algum tempo depois. De repente... Acontece de novo. Aninha... com a sua espontaneidade e alegria (se é que é alegre, o menino da favela...). O grito, a freada... E hei-la mergulhando outra vez, num abismo infindável de dor, de lágrimas, de solidão, de rancor e de mágoa...

De repente... Muito tempo depois (Aninha já havia sido enterrada há quatro meses), foi que ela despertou do seu pesadelo. E foi então que ela o viu. Olhou-o... Alto. Indiferente. Impassível... Lá estava ele. Aquele que poderia ter evitado tudo, mas não o fez... Aquele que estivera ausente, durante todo o tempo... Sentiu que o odiava e que precisava vingar-se... Mas ela? Tão frágil?... Ela não poderia com ele; estava muito acima dela... Isso sem levar em conta a sua idade. Quantos anos teria?!... Talvez nem ela mesmo soubesse, mas o sentimento de vingança, contra aquele ser que a olhava do alto, ia crescendo dentro do seu peito e da sua mente doente e dava-lhe forças.

-Amaldiçoado! Falou baixinho, com medo que ele a ouvisse...

Seu Macedo, um vizinho da favela, disse-lhe que talvez tenha sido melhor assim: -Talvez elas fossem como as filhas da Nadir e não prestassem... Ela, porém, nada ouvia; nada entendia...

-Que fossem prostitutas ou secretárias, tanto se me dava. Queria é que elas estivessem aqui comigo e não houvessem largado a minha companhia daquele jeito; mortas, assassinadas!... Mortas por culpa daquele monstro!... Claro, não foram as suas mãos que as matara!...

Mas ela sabia que fora o seu atraso, o seu retardo em chegar que as levara e ela iria vingar-se. A hora seria agora. Apanhou duas grandes pedras e foi andando para a saída da favela, com expressão desvairada; os olhos esbugalhados e sangrentos, transbordando ódio... E de novo, ela o viu... Parecia que aqueles dois olhos, um verde e outro vermelho, riam dela... Avançou correndo contra aqueles dois olhos, que piscavam sem parar; vermelho... verde... vermelho...

todas as frustrações e complexos, guardados dentro do seu ego por toda uma vida, vieram a tona naquele momento e explodiram em sua mente doente, levando-a para o meio da rua, em direção ao sinal que, indiferente, continuava a piscar...

De repente, seu Macedo que cruzara com ela, na saída da favela, ouviu um grito e uma freada...

Sergio Pantoja
Enviado por Sergio Pantoja em 15/03/2011
Código do texto: T2850155
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