ELA
ELA
Sergio Pantoja Mendes
Madrugada e eu acordado, vendo apenas, em meio à escuridão, os vultos disformes dos outros prédios, pela janela do meu quarto; negro como a noite lá fora.
Sinto que estás ao meu lado, mas que não te manifestas. Sinto a tua presença, talvez irreal, em minhas noites de insônia.
-Por quê me maltratas? Quê mal te fiz? Responda, se estás me ouvindo!... Ah!... Como te odeio!... Sinto-me premente de desejo. Desejo de pegar-te e destruir-te com minhas próprias mãos. Sinto trêmulos os lábios e todo o corpo. Sinto vontade de gritar ao mundo, meu ódio contra ti... Mas breve, muito breve, terminará este meu tormento. O sol, meu aliado na terrível batalha que travo contra ti, vai chegar. Então partirás... E voltarás às sombras; à escuridão... Porém uma coisa te prometo, maldita! Da próxima noite não escaparás. Já tenho contra ti, uma armadilha fatal. E ao caíres nela, hei de
arrancar tua cabeça! Hei de beber teu sangue gôta a gôta! Hei de arrancar membro por membro do teu corpo, tal o ódio que sinto por ti...
-Vai sol, querido amigo. Despeço-me de ti. Vai, em tua andança, ilumi-
nar e colorir outras plagas. Agradeço-te as horas de alegrias que me deste. Fico só novamente, para digladiar-me mais uma vez, com este ser que me oprime nas madrugadas...
-Estou feliz. Esta noite me libertarei. Vou esperar-te deitado em minha
cama. Sem fumar... Sem fechar os olhos... Apenas esperando...
-Por quê não vens, sombra maldita? Esperas que eu durma, para me atacares com tuas garras agudas? Será isso?... Mas não, não farei o teu jogo. Estarei esperando por ti e acabarei contigo, infame!...
-Por quê não vens?... Por quê não chegas?... Por quê?...
-O dia vem raiando novamente. Hoje ela não apareceu. Será que desistiu de mim?... Será uma trégua?... Ou será que esta maldita pulga, viu a lata de inseticida, sobre a mesinha de cabaceira?...