Indo Embora...

Ficava ali, recostado no balcão, como se fosse o Charles Bukowski, meio caído, olhando mal-encarado para quem passava, pronto pra briga. Mas ninguém passava ou ninguém queria briga. Certamente aquele sujeito iria pra guerra agora, caso o chamassem!

Tinha a morte por trás das lentes dos óculos escuros...

Para aquele cidadão, se é que se pode intitulá-lo um cidadão respeitável, contribuinte, e pedinte de algo que nem se quer se sabe, mas, como ia dizendo, para aquele cidadão não havia nada mais...

O mundo sujo o infeccionara. Estava quase doente de tanta vida mesquinha que via a cada esquina. Queria não mais querer porra alguma.

Se tinha alguém em quem confiava, era em si mesmo!

Estava sempre de passagem por algum lugar, como um vendedor de olhares raivosos, desilusões e inimizades. Detestava o ser humano. Gostava mesmo era das pererecas, que viviam úmidas em seus cantos, a atrair a forma ideal de vida.

Cansado dos desgraçados e de ser ele mesmo um desgraçado, vagava por um mundo sem lar, sem esperanças e filhos...

Muito cansado de tudo, lutava dentro de si para que no mínimo não se tornasse um mendigo. Isso, dizia-se de si pra si, um mendigo perante os olhos dos outros, eis que, desde que se viu como gente, era um verdadeiro mendigo. Um mendigo-cão, o pior que pode haver.

Quando criança tentou mudar o mundo, porém, quando viu que não poderia mudar sequer a própria vida, fatídica, caiu no existencialismo.

Sabia que estava indo embora, obviamente, para algum lugar...

Indo embora...

Seu escritório há muito fechou! Seu repertório caiu no ostracismo; sua luta, filha da puta, não enxergou nada mais do que um futuro inglório. Seus cães foram caindo como se fossem fruta podre no pé da árvore carcomida por predadores. No entanto, quando ainda pensa nos cães que se foram, se questiona onde estão os predadores.

É um cara que chora vez por outra, mas suas lágrimas são como o álcool que se joga no corpo, logo se evapora.

Estava indo embora...

E bebia até o limiar da loucura. Bebia porque queria beber, não porque era um louco-bêbado-inconsequente-e-viciado! Bebia todo dia e não queria ser importunado!

Usava a vida com o mesmo escrúpulo com que a vida o usava: um lenitivo. A vida em que se come frango vivo e limpa-se a boca na carne, na pele, nas costas da “mão esquerda de Deus”, obra máxima de Fausto Wolff, na humilde opinião do escritor.

Era domingo quando mais uma vez acordou para a vida. Seus sonhos diziam que estava morto, que tudo estava morto. Acendeu um cigarro, olhou para o céu e viu um avião vindo em sua direção... Vinha muito rápido e suas pernas estavam velhas e cansadas para correr como outrora...

No dia seguinte o dia continuou a aparecer..., e os noticiários, vários deles otários, diziam:

“Um avião plano-motor caiu não casa de um aposentado, e não vestígios de seu corpo, só um copo sobre a mesa denotava que alguém estivera ali há pouco...”

Havia também fumaça e destroços, mas quanto a isso pouco noticiaram...

Violão, baixo, voz e boa letra fazem qualquer homem de verdade chorar, mesmo dentro de um caixão!

Tudo é uma comédia! Uma grande comédia sem graça! Uma comédia dramática, mas que para o escritor não é nada além da fraqueza dele mesmo em querer se deitar e sonhar com um mundo em paz, em esquecer que ele mesmo existe! E hoje é apenas mais um dia dentre infinitos outros!

Todos sabem que fugiu de seu próprio nascimento na hora do parto! E todos saberão quando não o encontrarem mais em nenhuma “reunião”.

Velhas tossem na vizinhança cheia de “galos e quintais”. Velhas doidas que tomam cachaça toda tarde e fumam cigarros sem filtro, quando não de palhas artesanais.

Velhas muito doidas e galos e quintais e anais, e tudo muito doido, como aquele maldito corintiano que enfiou dois celulares no rabo!

Mais doidas ainda que aquela insana senhora que botou veneno na vagina para matar o marido que gostava de sexo oral!

Naquele domingo, fatídico para alguns, normal para a maioria, botou um óculos de sol e saiu à revelia, para o mundo, a caminhar, como também cantou um dia nosso querido Cartola, precisando ir...

Sempre precisando ir o homem caminha sobre esta terra suja, com os cabelos brancos empoeirados de marrom.

Ninguém entendendo ninguém e no entanto todos se interagindo como se num encanto dos magos do desengano.

Uma música “tri-fásica” de Led Zeppelin o faz regurgitar um passado saído de dentro de suas “retinas tão fatigadas”.

Mais carnes seriam assadas e mais corpos cairiam tortos pelos cantos, e o mal-estar vai e vem, como que numa simbiose dos dias vindouros.

Sartre morreu um dia! Camus também, porém, como não queria! Dostoiévsky quedou-se com medo de que a morte viesse como havia sonhado. E ela veio de outro modo, inimaginável, a si, pra si, agora, ad infinitum...

Não é bom acreditar de plano no que o próximo diz! Mesmo que seus olhos vislumbrem a paz, seus ouvidos ouçam a canção celestial e suas narinas respirem uma lufada de ar fresco, não é bom acreditar de plano no plano do próximo!

Debaixo da jabuticabeira alheia existem insetos que podem comer não só a jabuticaba!

Existiram pais que quiseram construir bombas e mães que tentaram matar seus próprios filhos, para não sair do fictício.

Existe um mundo de possibilidades em que nem convém aqui ficar tecendo barbaridades.

O fato é que mais um avião caiu, e na casa de um aposentado!

E o que é mais avassalador, para os doridos e familiares: o corpo não fora encontrado!

Um aposentado que, como disseram os próximos, gostava de beber até deixar cair cerveja na casaca!

Você já olhou para sua mão ou qualquer órgão do corpo e percebeu que ele não correspondia mais à sua função? Já viu sua mão mexer sozinha?

É o fim dos tempos, friend, o fim dos tempos...

Mas ainda é importante, quando se está bem de espírito e embriagado, ouvir Bob Dylan, e, ainda, quando tais estados perdurarem por níveis suportáveis de tolerância zero, ouvir Zumbi Soul, Alucinações Burocráticas, Retinas Queimadas, Psicotranse, UPA!, Canções Esparsas, Savok & Lewis Carrol e Acordes Inexistentes!

Queria ficar mais, mas a tolerância encontrou um pedaço seu do outro lado do Atlântico.

E ninguém queria mais ser seu vizinho...

O corpo, não encontraram...

Savok Onaitsirk, 16.04.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 17/04/2011
Reeditado em 17/04/2011
Código do texto: T2913912
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