IRMÃ

- Mal cheguei à cidadezinha, já avistei a placa com o nome da rua que procurava. Meu coração palpitava na garganta. Alguns metros e lá estava ela, solitária. Sua palidez contrastava com a imensidão verde ao seu redor. Estacionei o carro e, estático em frente à portinhola de madeira lascada, admirei por alguns instantes a bucólica paisagem. As paredes, antes de um azul brilhante, agora estão tomadas pelo cinza do reboco e, só ficam em pé, graças a um toco de madeira nelas escorado. Abri a porta com certa dificuldade. Uma lágrima. Se estivesse acompanhado, alegaria que o pó fizera-me chorar. Mas estava só, então podia ser sincero com meus sentimentos. As lembranças e arrependimento não cabiam em mim. A casa, tomada por teias de aranha e cupins, era o retrato do ontem. Do sofá vermelho, de couro legítimo, restava apenas a estrutura metálica que, no centro da sala, era o foco principal do meu olhar assustado. O quadro pintado por mamãe (duas meninas num balanço rústico de madeira), de tão desfigurado, lembrava uma obra abstrata. A cadeira de madeira, onde mamãe aparava as unhas de papai, estava coberta por um lençol amarelado e mantinha-se à direita do sofá e abaixo do quadro. Pus-me a caminhar, observando cada detalhe. O barulho estridente de madeira apodrecida que pautava meus passos, só não era mais intimidante que o silêncio dos instantes em repouso. Parei em frente ao rádio e, impulsivamente girei o botão. Em vão. Mais alguns passos, avistei o quarto onde dormia. A cama, já sem o colchão fino, continuava à esquerda da penteadeira de ferro. Sobre esta, o mesmo espelho pequeno, que na época era mais que suficiente para refletir meu corpo franzino.

Em frente ao móvel, não consegui encarar o velho rosto que me observava de dentro do espelho. Os inquietos pensamentos comprimiam meu coração contra as costelas. Neles, via quarenta anos de vida desregrada; via um filho indiferente à morte miserável dos pais neste lugarejo. Via um homem egoísta que sequer conhecia o paradeiro da única irmã. Desde aquele dia, senhorita, são dois anos de incessante procura.

- Lembra-se, pelo menos, o nome desta tua irmã, perguntou a garota que conheci havia pouco, ainda nua sobre a minha cama.

- Tenho aqui uma foto, ela muito pequena, devia ter uns oito anos. Seu nome é Maria da Conceição Martins, respondi.

Após alguns minutos de um incômodo silêncio, a moça retira da bolsa o documento de identidade. Com os olhos encharcados, aponta no verso do RG, o mesmo nome dito instantes atrás.