Caboclo D'água.

Como dito alhures: o tempo tem voado sobre nossas carcaças!

Aproximamos de mais um Natal, com dingonbels e outras musiquinhas chatas, além do sufoco dos fantasiados de Papais Noel, morrendo de calor em pleno verão brasileiro.

Será que um dia vão se aperceber que por aqui as coisas são mais quentes? A cultura United Estates Of América prevalece. Até halloween se comemora por aqui!

Acho que em vez de Papai Noel deveríamos ter por símbolo de fim de ano o Saci-Pererê; e em vez de halloween, com suas abóboras podres, deveríamos temer mais a mula-sem-cabeça. Afinal, os que prevalecem em nossas paragens são a mula, o saci e o nego d’água.

Eu mesmo já tive a oportunidade de conhecer um caboclo d'água, ou nego d’água, como chamam por aqui. Trocamos inclusive algumas palavras. Foi há muito tempo, num bar.

Fato curioso sobre o assunto é o de que os negos d’água nunca assumem quem realmente são. Talvez nem o sabem que são um deles. Talvez entrem num processo de transmutação que os deixam inconscientes. Esse o qual troquei algumas palavras, por exemplo, jurava de pés juntos que os negos d’água existiam, porém não tinha a consciência ser ele próprio um deles. Engraçado, tendo em vista que o assunto sobre negos d’água não lhe saía da cabeça.

Há estudos que informam que os negos d’água são pessoas normais que se transformam à noitinha, quando o dia vira noite; e em sua maioria são pescadores.

Salém não era bruxo, mas era um deles. Saía sempre ao entardecer, montado numa bicicleta barro fraca ano 73, rumo à beira do rio. Lá, de vara em punho, quando o breu da noite predominava, se transformava misteriosamente num nego d’água. Passava de três a quatro dias neste estado, onde se alimentava de peixes, sapos, rãs, pererecas, cágados, insetos que porventura caíam na água, além de crianças desavisadas que se desgarravam de seus pais na escuridão da noite. Bebia pinga também.

Ouvi relatos, inclusive, de que muitas dessas crianças desaparecidas, que eram tidas por devoradas por sucuris ou onças, eram na verdade atacadas por negos d’água.

Ficava submerso, à espreita, na ânsia por saciar a fome comum de todos os negos d’água.

Passado o período de transformação, voltava ao normal como se nada tivesse acontecido. Sentia apenas um leve enjôo e o estômago pesar. Saía da água, encharcado, cochilava uns minutinhos na relva, montava sua bicicleta e zarpava em direção ao lar. Muitas vezes ia direto mesmo para o bar.

Lá, todo molhado e sem um peixinho sequer na sacola, alegava para a patroa, ou para os conhecidos, que a lua não estava pra peixe e que escorregou do barranco, bateu a cabeça e caiu na água, por isso estava meio zonzo...

Esses negos d’água!

Cristiano Covas, 25.11.05.

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Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 02/08/2011
Código do texto: T3134029
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