FRONTEIRA DO SILÊNCIO
 
                                      Capítulo VI
 
   Os dias passaram lentamente e a espera por um resgate que não vinha era angustiante. As horas caminhavam, pareciam um século e o tempo uma eternidade. Vez por outra eu imaginava o que poderiam estar pensando a meu respeito. Será que me procuravam? Será que eu já fora dado como morto ou desaparecido? Será que havia outros sobreviventes? Será que alguém havia sido resgatado? Realmente eu pensava que esta era a probabilidade mais sensata, afinal dificilmente uma pessoa que cai ao mar é resgatada com vida, ainda mais na minha situação.  Quanto tempo demoraria até que eu fosse resgatado? A quantas milhas estarei do local do afundamento do navio? A chance de me encontrarem era praticamente nenhuma.
 
   A solidão e o silêncio do mar nos leva à refletir sobre toda a nossa vida e eu procurava manter a minha lucidez relembrando momentos meus. Refleti de como me sentia uma pessoa coerente, bondosa e prestativa, sempre auxiliando as pessoas que a mim acorriam. Pensava que assim estaria sempre perto de Deus e nada de ruim me aconteceria. Porém a vida nos reserva surpresa as quais jamais imaginamos para nós. Como eu poderia pensar que um dia estaria no mar e me encontraria numa situação como aquela? Procurava forças nas minhas preces e tentava entender o que Deus efetivamente havia reservado para mim.
 
   À medida que os dias iam passando, eu me sentia cada vez mais fraco pois só matava a sede quando caia alguma chuva e eu conseguia com as mãos em concha coletar um pouco para beber. Não havia nada para me alimentar e meu corpo definhava lentamente. As gaivotas que se utilizavam da bóia como ponto de repouso para então retornar ao continente já haviam se acostumado com a minha presença visto que eu permanecia praticamente inerte todo o tempo devido a minha fraqueza. Uma gaivota desatenta após ter pescado seu alimento acorreu à bóia para se deliciar, mas ao pousar me assustou e ao me mexer, ela deixou cair o peixe bem na minha frente e alçou vôo novamente. Quando eu vi o peixe ainda se contorcendo ali aos meus olhos, rapidamente o peguei antes que caísse no mar. Segurei o pequeno peixe com cuidado temendo que ele caísse na água e eu perdesse a única fonte de alimento depois de tantos dias em jejum.
 
   Saboreei o peixe cru com um apetite como nunca tive. Aquela gaivota deve ter sido enviada pela providência Divina! Só pode ter sido isso! Ele apiedou-se de mim e me mandou alimento. Aproveitei quase tudo do peixe. Rasguei o corpo dele com as unhas, já que não dispunha de nenhum artefato cortante. Com certo nojo engoli as vísceras sem mastigar por pensar nas proteínas que ali continham e me proporcionaria forças. Algumas gaivotas sobrevoavam a bóia certamente ao sentirem o cheiro do peixe, e eu não fui egoísta. Atirei na água o que não aproveitei do peixe e imediatamente uma delas mergulhou para pegar. Fiquei imaginando quantas vezes eu fiz ou faria aquilo se estivesse em terra firme, acho que nunca, comer peixe cru e ainda mais assim, sem temperar ou rasgando como um selvagem. No entanto eu agi assim, movido pelo instinto de sobrevivência. Naquele momento compreendi porque os animais são predadores uns dos outros, é a sobrevivência que fala mais alto e não a maldade. Com aquele peixe consegui alguma energia para suportar aquele vazio que estava aos poucos corroendo a minha lucidez.

 
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Cônsul POETAS DELMUNDO – Niterói – RJ
Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 08/08/2011
Reeditado em 08/08/2011
Código do texto: T3148100
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