E M A ou Loucos São os Outros

E M A

Ninguém a convencia de que o lugar do marido era na Clínica. Ao menor sinal de melhora, ela insistia em trazê-lo para casa, mesmo sabendo que seria por curto período de tempo.

Naquela época, o casal residia ao nosso lado e o problema que sempre levava à internação de meu tio era acompanhado pela vizinhança inteira. Muitas vezes acordávamos com os gritos tia Ema, correndo pelo pátio de camisola, com seu Leo atrás empunhando uma acha de lenha, dizendo ser tia Ema uma lagartixa perversa que precisava ser morta. A estes surtos, seguia-se uma internação muito breve e logo depois tudo recomeçava.

Meu pai, uma vez foi ter uma conversa séria com ela, Seu Leo era um perigo, e nós vivíamos aflitos com a situação. Como resposta, recebeu uma garantia, ouvida dos médicos, de que uma nova medicação ia deixá-lo bem calmo. Só deveria não esquecer de por o comprimido no café da manhã dele.

Eu, costumeiramente, ouvia sua voz no quintal: “Eu não louco. Louco cunhado Antonio, cunhado José, primo Bernardão. Ela com tudo meu, sapato, chapéu e xícara. Eu com muita fome, cinco almoços por dia, nada no domingo”.

E o palavrório continuava, enquanto ele, com uma vela acesa na mão, ia matando as formigas que desfilavam no alto da sebe. Sobre isto, achei que uma conversa com titia talvez a convencesse que ele não era para o convívio junto a pessoas “normais”. E ela, rindo muito, saiu-se com esta:

- Ah! O que ele faz é um passatempo que até é benéfico. Quem sabe as formigas mudam de direção? Ele, afinal tem que ter uma coisa para fazer!

A situação era de dar pena, pois ela se esfalfava junto com a filha, Berenice, dirigindo uma pensão para rapazes, que oferecia café da manhã e jantar, preparado pelas duas. Minha prima, muito bonita, trabalhava no comércio durante o dia, além de desempenhar múltiplos afazeres na pensão.

E das duas não se ouvia queixa! E embora Berenice aconselhasse titia a deixar seu Leo internado, não se preocupava com a situação. Pelo contrário, quando chegava do trabalho, ia para a cozinha ajudar no jantar e, ao servir as mesas, ouvia-se as suas risadas junto aos rapazes que tentavam namorá-la.

Até que um dia chegou um moço, vindo do norte do País e ela se encantou com o dito cujo. Nesta altura, tia Ema ficou preocupada. Mesmo que não ficasse sem o marido por perto, a filha era o seu arrimo na vida. E soubemos, depois do casamento consumado, que ela havia procurado o futuro genro, oferecendo suas parcas economias, de uma vida inteira, para que ele desistisse do casamento! Que deixasse sua filha por ali, por favor!

Ele achou muita graça e contou a todo mundo, dizendo que se ela quisesse, poderia vir com eles. Seria sempre bem vinda a qualquer hora, com marido doente e tudo! Só que teria que morar perto de uma barragem em construção.

Tia Ema, entretanto, decidiu encerrar a pensão e retornar a sua cidade de origem, onde ainda possuía uma casinha e com o rendimento de algumas costuras, pretendia continuar a vida. Lá, esperava ela, teria a ajuda de duas irmãs, conforme disse a minha mãe. E não sei se houve algum laivo de censura, neste comentário. Só percebi que após a partida da irmã minha mãe ficou séria durante um bom tempo, privando-nos de suas brincadeiras.

O que não tardou a acontecer ao casal foi bem diferente do que tia Ema esperava. Suas irmãs estavam bem postas na vida, casadas com prósperos comerciantes do lugar: uma era mãe do prefeito e outra sogra do tabelião!

Na visita que lhes fizemos durante minhas férias, mamãe e eu tivemos que ouvir sobre os novos problemas da pobre, pois nem com o remédio que deixava seu Leo bem calmo suas irmãs estavam satisfeitas. Queriam que não aparecessem em suas casas, a não ser quando convidado e pronto! E ainda se saíram com o seguinte refrão: “Todos gostam do louco na praça, mas que não seja da raça!”

Por parte das irmãs, ouvimos que o casal, mesmo sem ter sido convidado, comparecera a uma festa de casamento da sobrinha, com suas roupas escronchas e apetite voraz, dançando de qualquer jeito, no que eram imitados por crianças e jovens, que riam à socapa, dando assim motivo a chacotas da melhor sociedade local!

Das amigas de minha mãe na cidade, soubemos que na festa, todos da nossa família olhavam ferozes para o casal, que sem se dar por achado, aproveitou bastante, dançando a noite inteira, alegres e faceiros, mesmo diante da desaprovação da parentada.

Marluiza
Enviado por Marluiza em 29/09/2011
Reeditado em 03/10/2011
Código do texto: T3248121