A FESTANÇA (Aleixenko Oitavo)

A FESTANÇA

Do lado de fora do castelo, os camponeses gorobixabenses, faziam uma folia particular, nada a estranhar, por qualquer motivo improvisavam uma festa; e, naquela noite o pretexto valia a pena. Sua senhora, DOIDIVÂNIA (penúltima rainha de Gorobixaba, desposta por improbidades administrativas) iria anunciar os felizardos escolhidos, sempre jovens entre dezoito e vinte anos, em número de sete, para o sacrifício humano em honra da deusa padroeira do prostíbulo. A hecatombe em si consistia de uma peleja entre os homens e as ninfas virgens, estas no mesmo número daqueles. A pugna é travada ambos nus, aos pares, mais especificamente: casais. Vale tudo, de frente, de lado, por trás, por cima, por baixo, de revestrés, sessenta e nove; até que a morte os leve para o túmulo, sem separação.

Do lado de dentro, porém, os fidalgos e lordes, roíam a unha, pois mal as luzes do dia clareassem também sete deles seriam queimados vivos em holocausto a nossa senhora das candeias, velas e archotes; que dormiam acesos para facilitar ao carrasco interno. Já a batalha interna se iniciava com a imolação da alma, passava pelo esquartejamento dos membros superiores dos eleitos, pela decapitação da cabeça e se encerrava com o banquete do churrasco dos corpos.

Portanto com o raiar do sol a festa externa se juntava ao velório interno e se tornava uma só. A qual se estendia por dias; neste lauto banquete regado a vinho de boa safra, provido de doces, guloseimas e embalada por músicas alegres dos melhores artistas do reino (menos o latino), quando muito berrando.

Os convidados de honra não se misturavam com os comensais comuns; nas mesas de granito e forradas com rendas, bordadas por “ELA”, se compraziam a ralé, composta de moradores de rua, mendigos, drogados, plebeus e sitiantes rurais. E nas mesas de tábuas sobre cavaletes, espalhadas pelo pátio, comiam de pé, os convidados de honram, lordes, nobres, burgueses e autoridades distintas.

E a festa transcorria animada, e teria transcorrido por semanas, não tivesse chegado um visitante ilustre: o LULA.

Ninguém viu quando “ELE” se aproximou do castelo, nem ao menos quando foi que nele adentrou. Mais tarde, os vigias do exterior diriam que em nenhum momento alguém passara por eles, e a sua presença só parece ter sido notada quando já se encontrava no salão oval e branco, em meio à festa.

De súbito, a voz do visitante se fez ouvir a cima da balbúrdia que os convivas faziam:

- Estou tarado e alguém aqui vai pagar o pato!

Um comerciante de craque, vestido de fraque, com um copo de plástico, cheio de vinho chapinha, olhou pasmo para o dono daquela voz, elevou o copo às alturas, deu graças, tomou tudo de uma só talagada, cuspiu do lado, deu graças novamente, se persignou com o sinal da cruz; cuspiu novamente, só que agora nas palmas das mãos, levantou o braço esquerdo, era canhoto; e lascou um tapa no beiço d“ELE”.

No que estralou o tapa, o LULA levou um lenço de seda à boca; quando viu sangue na brancura do pano, desmaiou.

No entanto, o humor da festa em nada mudou; quem comia continuou comendo; quem cantava continuou cantando, quem dançava também; só quem estava furunfando não teve mais disposição. Pois embora a alegria da pancada dada fosse geral e contagiante, havia os que não compartilhavam dela; entre estes a lady DOIDIVÂNIA. No entender d“ELA”, foi pouco, a bofetada. Para se fazer a cortesia e cultivar as boas maneiras, tinha que cada convidado dar pelo menos um chute no saco d“ELE”.

Lá pelo fim do quinto dia uma sombra como que pairou sobre o castelo, para a tristeza das donzelas, pois é exatamente neste tempo que ninguém é de ninguém, e qualquer buraco começado ou não, leva o seu; e aquelas que ainda não tiveram seu quinhão, depois de praticamente todos bêbados, com certeza serão achadas; depois da comida e comidas, barriga cheia, pé na areia. A sombra nada mais era do que uma nuvem de chuva.

Ah! De repente baixou um corpo estranho no burburinho do salão, a nobreza, toda ela trajando roupas velhas e surradas, notou de imediato aquele nababo. Um mancebo bem apessoado de camiseta cavada, com propaganda do alô brasil, bermuda jeans, chinela tipo alpercatas, e pitando um papelote de cocaína. Parecia ser um nobre, mas o cajado seguro com firmeza dava-lhe uma serenidade e beatitude de Moisés.

Uma senhora dobrando o cabo já sem esperança, vendo aquele garanhão, se jogou nos seus braços e implorou:

- Oh, meu senhor! Faça-me feliz! Me leve para debaixo do pé de jenipapo...

Ela quebrou a rola, era o LULA que já havia voltado do desmaio, e rodopiava como qualquer rapaz alegre.

Um gaiato ao ouvir aquilo gritou:

- Mas a senhora é um jenipapo!

A pancadaria começou solta.

“ELA” temerosa de que seu povo se matasse uns aos outros, pôs a língua no trombone; e, gritou a plenos pulmões:

- Bando de aves de rapina, nem se banquetear numa carniça vocês sabem!

Tão logo foi restabelecido o silêncio os convidados foram saindo lentamente. A festa acabou. De imediato os criados começaram a limpeza.

Numa viga do teto no canto do salão oval foi encontrado um enforcado. Ninguém entrou em desespero, até por que era costume no final da festa deixar um morto; às vezes torturado, outras vezes esfaqueado; portanto enforcado não variava dos métodos anteriores.

A polícia não gostava quando a causa mortis era veneno ou morte natural. Tanto que sempre tinha um policial de tocaia, vigiando para as coisas acontecerem dentro dos conformes e trâmites legais. Não havia necessidade de investigação, todos sabiam quem era o morto e quem havia matado. Mas o detetive da polícia secreta; HAXADO PEDRIDO anunciou:

- O senhor destas terras está morto. A senhora vive. Longa vida a ela! Curvem-se ante “ELA”.

Todos o obedeceram, ainda pasmos com o fato de se ignorar as duas formigas que estavam grudadas nos culhões do defunto. Não se via ferimento em nenhuma das duas armas, menos mal. Restava agora aos amigos e parentes, presentes, darem os préstimos, pêsames ou felicitações, conforme sua preferência. O mal foi corrigido, a inocência foi preservada e a iniqüidade foi punida. O bruxo se tornou um espectro, graças à violência deste mundo.

(fevereiro/2010)

Por ALEIXENKO OITAVO, Primeiro Ministro do Reino de Gorobixaba

Corte de Gorobixaba
Enviado por Corte de Gorobixaba em 24/11/2011
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