Auto-Monstrificação

A vergonha fez com que eu me escondesse sob a escuridão, para que fosse impossível aos olhos piedosos, assustados ou apenas curiosos do mundo enxergar a minha pele, que repleta de marcas e feridas purulentas causa repulsa até aos predadores de minha própria espécie.

Não preciso dos olhos curiosos, que com sádica satisfação me observam como uma aberração, que movimentarão a voz para contar sobre a triste e bizarra criatura que presenciaram fugir para as sombras. Estes curiosos porém, nunca presenciaram minha dor, nunca sentiram esta tristeza que rasga minha alma, esta alma que um dia foi humana e que hoje está enclausurada em um corpo de monstro.

Jamais seus ouvidos sádicos serão satisfeitos com meu pranto, para eles serei sempre apenas o monstro que grita, assusta e depois foge para as trevas, de onde nunca deveria ter saído.

Sinto para com os olhos assustados, o mesmo nojo que me demonstram, quando ao se depararem com meu corpo, sentem medo de serem como eu. Agridem-me, expulsam-me de suas presenças, pois minha aparência repugnante os faz lembrar que poderiam estar no meu lugar.

Eu os evito e eles me evitam. Precisa ser assim.

Os piores olhares são os piedosos, eles carregam uma mistura dos outros dois. Sentem pena de mim e, querem acreditar que podem me ajudar para satisfazer suas mórbidas curiosidades. Mantendo-se sempre a grandes distancias, pois o medo de se tornarem o que eu sou enfraquece seus desejos por aplausos. Sim, eles querem aplausos, contam para todos que estão ajudando o monstro, e sentem-se como se fossem verdadeiros santos na Terra.

Eu os repudio, como o mundo me repudiou. Não preciso de sua piedade, não preciso de mais tentativas vãs de mudar o que não pode ser mudado.

Hoje, encontrei um quarto tipo de olhar, que só pôde me ver por que fugindo de olhos assustados encontrei-me em uma rua iluminada, encurralado em uma esquina, apavorado pela quantidade de luz, deparei-me com os olhos do amor.

Senti em minha carne putrefata o toque de outra pele, eu nunca antes havia sido tocado. Sentia-me paralisado, algo mudava em mim. Naquele olhar não pude perceber medo, nem curiosidade e muito menos piedade. Vi um olhar que me compreendia, que me amava e respeitava.

Quem seria capaz de amar um monstro como eu?

Das mãos em minha face, o toque transformou-se em um abraço, nunca antes havia sido abraçado, algo tão comum para tantos, e tão extraordinário para mim. Em minha mente eu não conseguia saber se estava abraçado em outro ser humano, ou em um anjo.

Nunca antes alguém falou tão próximo de meus ouvidos, e eu nunca havia ouvido uma voz tão doce ou palavras tão poderosas que fizeram todo meu ser desmoronar: “Você ainda é humano. Eu te amo”.

Soltou meu corpo, virou-se e foi embora...

Impressionado, olhando o anjo se afastar, esqueci do monstro estampado em minha face e, após recuperar-me do choque de alguém me provando que minha realidade só existia em meus pensamentos, olhei procurando minha carne, porém, encontrei pele. Em um espelho procurei o monstro, mas encontrei apenas o meu rosto.

Nunca antes chorei por estar feliz, mas, não resisti a emoção e deixei meu corpo cair por terra enquanto minha alma agradecia silenciosamente a um anjo desconhecido.

Nunca antes, em toda a minha vida eu havia sido curado.

=NuNuNO==

( Que hoje está cutucando velhas feridas )

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 10/01/2007
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