O Conto Verde

Tínhamos terminado de trepar naquele instante.

Eu ainda estava ofegante. Parecia que tínhamos gozado juntos. Com as mulheres nunca se sabe. Nem fiquei pensando muito nisso, pois ela parecia sorridente e agradecida, ronronando com a cabeça encostada em meu ombro. Pediu um cigarro. Peguei o maço do criado mudo ao meu lado e acendi dois passando um para ela. Deu uma tragada e soltou a fumaça fazendo esferas. Conversamos por algum tempo e nos bateu aquela leseira pós-sexo e decidimos dormir. Olhei no relógio digital do cristal líquido do meu aparelho celular e marcava meia noite e cinquenta e sete. Ela iria ficar para dormir e já era sábado. Maravilha. Tentar acordar tarde e dar mais uma bela foda matinal. Decidimos dormir e acabamos dormindo mesmo, abraçados.

Acordei algumas horas depois com uma sede miserável e uma puta vontade de urinar que parecia que minha bexiga poderia estourar a qualquer instante. Cinthia continuava a dormir serenamente em seu lado da cama. Desvencilhei-me dela com cuidado e dirigi-me, descalço, ao banheiro onde me aliviei. Dei um suspiro de contentamento. Foi um longo jato. Terminei, sacudi e guardei meus documentos dentro da cueca boxer preta e andei até a geladeira da cozinha. Abri e peguei uma garrafa plástica de água mineral, destampei e bebi um longo gole pelo gargalo saciando assim minha sede. Muito uísque, foi o que pensei. Bateu-me uma vontade de fumar. Voltei ao quarto e peguei o maço de cigarros e o isqueiro Zippo, tomando cuidado para não despertar aquela beldade que ressonava placidamente. Acendi e comecei a fumar sentado no meu canto preferido ao lado da porta de correr da área de serviço, tragando vagarosamente, saboreando bem a fumaça. O relógio de parede indicava que eram quinze para as quatro da madrugada Poderia dormir até a hora que bem entendesse. “O sábado é uma ilusão”. Onde eu tinha lido isso? Enquanto tentava me lembrar, tive a impressão de ouvir um ruído surdo e estranho vindo do pátio interno do “Condomínio Rústico” em que eu morava. Apaguei o cigarro calcando o filtro amarelo com o polegar e o indicador no cinzeiro de louça e decidir verificar o que era. Nunca se sabe. Nas capitais é sempre importante ficar sempre atento e alerta. Entrei, pé ante pé, descalço como sempre, no banheiro que dava uma ampla visão. Abri devagar o basculante e deparei com aquela cena insólita de filme barato de ficção científica. Meus ossos congelaram assim como um calafrio de pavor percorreu minha espinha dorsal eriçando os pelos da nuca. Não era possível! Meus olhos estariam me pregando uma peça? Homens verdes de no máximo oitenta centímetros, com a ossada do peito à mostra, olhos enormes de negras pupilas, orelhas pontiagudas como elfos, catavam folhas, flores, pétalas e grama do canteiro lateral. Eram quatro e empenhavam-se meticulosamente na tarefa. Vi nitidamente quando um deles coletou um grande besouro com seus finos e longos dedos. Verdes. Fiquei pensando se aquilo tudo não era uma ” bad trip” dos ácidos ingeridos nos anos oitenta.

Senti minha boca abrir, meu queixo cair & um suor gelado verter da minha testa. Voltei ao quarto, desatinado, deixando aberto o basculante e comecei a sacudir a Cinthia:

- Acorda mulher! Tem homens verdes colhendo rosas no canteiro, porra! Cinthia, acorda! Levanta de uma vez, mulher! Eu exclamava em puro desespero enquanto a sacudia.

Ela acordou visivelmente puta da cara. Claro que minha insanidade a tirou abruptamente do melhor do sonho.

-Tá maluco?! Vociferou para mim bastante contrariada. – Tá doido?! Pirou de vez, caceta?! Resolveu fumar a erva do gato ou cheirou a suas meias? De que você está falando, homem de deus.

Despejei tudo de uma vez. Que tinha realmente homens verdes de oitenta centímetros, nus, coletando amostras do canteiro do condomínio. Sua expressão passou da raiva de ser bruscamente acordada à preocupação pelo meu estado mental. Não era ácido porra nenhuma. Era real o que eu tinha ouvido e visto. Queria um cigarro mais tinha medo de acionar o isqueiro e que os seres verdes percebessem e invadissem o apartamento & abduzissem a Cinthia e mim para introduzir chips em nossos cérebros e parafusos em nossos ossos. Eu dizia para a Cinthia olhar pelo basculante do banheiro e parar de ficar falando que eu tinha que beber um trago forte e fumar um baseado para me acalmar. Depois de alguma insistência da minha parte fomos dar uma verificada. Juntos. Não deu outra. Percebi quando seus olhos castanhos esverdeados começaram a esbugalhar, sua coluna tornar-se rígida, sua expressão de terror e do grito agudo que sairia da sua boca se eu não a tapasse com a minha mão espalmada Mandei calar-se com um discreto e sibilante “ssshhhh” e ela pareceu acalmar-se um pouco. Seus olhos eram de puro horror. Soltei-a, por fim, e ficamos fitando aquelas criaturas que recolhiam pétalas, pedras, insetos, espinhos, margaridas, rosas, antúrios, samambaias, avencas, manjericões e hortelãs. Que diabos era aquilo, afinal? Donde vinham? O que faziam? Porque faziam? Senti a mão da Cinthia na minha. Estava fria e um pouco trêmula. Não se movia. Eu a mirava de soslaio. Não conseguíamos compreender. Por que logo nós fomos eleitos para presenciar aquele desenrolar de cenas bizarras numa madrugada de sábado? Logo eu que sempre achei o Flash Gordon um babaca, o “Star Trek” uma idiotice, o “Star Wars” uma perda de tempo, e o H.G. Wells uma mala sem alça? Tudo ao redor no mais absoluto silêncio. Não se ouvia ou cricrilar dos grilos tampouco os latidos e os uivos dos cachorros. Parecia um instante congelado no tempo & no espaço. Apenas os homenzinhos verdes trabalhavam diligentemente diante de nossos olhos incrédulos e estupefatos. Até que de repente sumiram diante de nós exatamente como apareceram. Do nada. Ficamos parados, em pé, estáticos por um período que pareceu durar uma vida. Quando voltamos a nós percebemos o Sol vermelho da aurora anunciar o novo dia...

Curitiba, 12 de janeiro de 2012, 24 graus celsius – Verão.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 12/01/2012
Código do texto: T3436769
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