Dragão Místico

Pegou o robe branco, vestiu-o e pôs-se a meditar. Conforme vinham as ideias e pensamentos, ele as deixava vir, mas não dava importância, seguia seu rumo meditativo. Uma gaivota aparecera na pequena janela do quarto, fazendo-o abrir os olhos, mas não importava. Não importava os faniquitos da sua mulher, as vontades do seu filho, as broncas dos clientes e nem os desmandos do governo. Nada importava... Dizem que a iluminação verdadeira só é conseguida a partir da queima de todo o karma pessoal, através de uma vida inteira de yoga (ou de tantra para os mais atirados) e, mesmo, muitas vidas, com existências reencarnatórias para conseguir esse estágio espiritual.

Sandro sabia bastante daquilo mas não o bastante para saber que uma vez pego o gosto, não tinha volta... Não que ele tencionasse desistir quando chegasse num certo ponto, coisa que, aliás, tinha feito muitas vezes, em muitas ocasiões nas diversas “fases” da sua vida. Quando tinha se voltado para as corridas de longa distância ou quando pensou em tornar-se vegetariano ou quando decidiu aprender reiki. Não dessa vez. Dessa vez ele iria até o fim.

Quando ele se iniciou na Ordem do Dragão Místico, um dos obstáculos foi a posição de lótus que não conseguia fazer nem por um decreto. Até que disseram a ele que essa posição era de um guerreiro e que não era bem todos que poderiam estar confortáveis nela... Como não tinha jeito para guerreiro, desistiu de pronto e passou a ser mais feliz, meditando.

Eloísa podia aturar tudo do marido: a vontade de trabalhar como autônomo, que lhe dava, por vezes, incômodas semanas sem um tostão furado, as ausências de Sandro quando ele trabalhava longos dias no escritório e chegava já de meia-noite em casa, os hobbies que iam e vinham sem um que fizesse a sua satisfação, enfim muitas coisas. Menos aquela nova mania de meditar, aquilo era ridículo demais! Vestir um robe branco e ficar sentado no chão do quarto, durante 1 hora ou mais, para atingir o nirvana, era algo que estava fora dos padrões-Eloísa de encheção de saco.

Quando você vai desistir dessa piração de meditação, Sandro?

Não vou desistir. Vou fazer sempre, já disse.

Pois então você vai escolher, ou eu, ou essa Ordem do Dragão não-sei-o-quê.

Dragão Místico.

Pois é.

Sandro percebeu, a partir daquele momento, que nada que ele dissesse ou fizesse iria demover Eloísa da sua posição de questionadora do “novo hobby”. Foi aí que ele decidiu. Abandonou a casa com o filho e a esposa e saiu do escritório. Fora viver com os monges do círculo interno da Ordem do Dragão Místico.

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Carregando os baldes cheios de água do poço para a construção, Sandro pensou que estaria em melhor situação na sua casa com seus pertences e sua família. Tarde demais para voltar atrás, lembrou-lhe o anjinho (ou seria o demônio) que teimava em lhe dar conselhos desde que ele tinha chegado no mosteiro.

Normalmente, acordavam bem cedo, às 4: 20 da madrugada e punham-se a trabalhar na lavoura do mosteiro para honra e glória do Dragão Místico, porém nos últimos meses estavam ocupados com a construção. O Dragão é o símbolo da manifestação do ser superior. Os quatro Dragões alquímicos devem ser suplantados para se chegar ao Dragão máximo, o Dragão místico. Essa sabedoria milenar estava encerrada em anos de imigração chinesa para o Brasil, mais propriamente para Goiás, vindo de São Paulo, donde fundaram em 2003 a Associação Cultural que servia de anteparo para o mundo exterior; enquanto a Ordem, com seus círculos internos, permaneceu em obscuro, tanto em São Paulo quanto em Goiás. Aquela estratégia era uma mera formalidade, aceita pela sociedade em todos os níveis quando se tratava de círculos internos esotéricos de grupos que intentavam alcançar a iluminação; nem tudo podia ser revelado para o público em geral...

A construção, uma pequena torre com 10 metros de altura serviria de casa de meditação para o priorado do mosteiro e a obra era tocada com afinco pelo prior Zang Reinhardt, o líder do grupo, que também era arquiteto. A comunidade era gerida por Zang sem muita rigidez para não afastar novos adeptos mas também sem complacência desmesurada para não destruir a disciplina. O clima místico do lugar era algo entre os mosteiros do zen budismo japonês e os centros de meditação da nova era e, embora assim fosse, todos tinham que trabalhar na construção da torre - a não ser que estivessem doentes. As monjas preparavam a comida para quando houvesse o almoço ou o lanche numa parada rápida do trabalho. Os monjes se esforçavam na construção tentando deixar tudo como idealizado pelo projeto do prior.

Meses depois, a torre estava pronta. Certa feita, Sandro estava num dos exercícios espirituais de controle da respiração, quando lhe veio a decisão. Iria até a torre para ser iniciado na última meditação, a mais perigosa de todas por não ter como voltar atrás, a meditação do Dragão.

Prior Zang, quero ser iniciado na meditação do Dragão hoje.

Está ciente das adversidades e perigos da sua determinação, irmão?

Estou.

Pois muito bem. Dirija-se à torre e aguarde lá, logo os monges das altas esferas vão chegar.

Na cúpula da torre estava Sandro sentado, esperando os monges que lhe fariam a iniciação. Olhava para a pequena janela que descortinava os raios de sol e pensava em como tinha chegado até ali, o abandono da família, o deixar o escritório, nada tinha interrompido sua caminhada até aquele momento. Não podia voltar atrás, pelo menos uma vez na vida, iria até o fim.

– Está pronto?

– Sim.

– Essa meditação tem a finalidade de fazê-lo esquecer todo seu passado, viverá no presente daqui por diante e somente no presente.

Quando acabou, estava indo para fora da cúpula da torre quando viu uma gaivota na pequena janela. Era agora livre, como a gaivota.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)
Enviado por Mauricio Duarte (Divyam Anuragi) em 02/05/2012
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