Mamãe eu vou morrer?

Mamãe eu vou morrer?

Isabelle era uma menina linda de quatro anos. Louríssima, olhos azuis, rostinho salpicado de sardas, nariz bem feitinho, lábios carnudos e vermelhos como morangos. Ficava o dia inteiro na creche, pois sua mãe trabalhava, e não tinha ninguém que pudesse cuidar dela. As duas moravam sozinhas, pois os pais da menina tinham separado, quando ela ainda era um pequenino bebê.

Na creche, Isabelle brincava, brincava, e brincava. Era uma menina prodígio, e já estava semi alfabetizada. Motivo de muita preocupação para Adriana sua mãe. A menina era muito precoce e pegava as coisas no ar. Tinha uma sensibilidade muito grande, e uma facilidade de prever o que iria acontecer semanas antes.

Aos dois anos falava tudo, expressava-se muito bem, e conversava com uma lucidez como se fosse uma menina bem mais velha. Sabia exatamente o que queria, e se tornava um problema para Adriana quando queria contrariá-la.

Certa manhã chuvosa, Isabelle recusava-se a entrar no carro. Batia os pezinhos, e dizia em voz bem alta: - Vamos de táxi, quero ir de táxi. Adriana fingiu não ouvir o pedido da filha, e achando que ela estava fazendo birra, ajeitou-a na cadeirinha, passou o cinto de segurança, fechou a porta. Abriu a porta do motorista, sentou-se, ajeitou-se, ligou o carro e deu partida. Dois quarteirões adiante foram pegos de surpresa, por um ônibus desgovernado e sofreram um terrível acidente.

Adriana escapou por milagre, conseguiu sair do carro, abrir a porta e tentar retirar a filha que berrava desesperada, enquanto agitava e levantava os bracinhos, querendo sair do carro. A mãe só escutava a mesma pergunta: “Mamãe eu vou morrer? Mãe eu vou morrer? E o sangue escorria da cabeça de Isabelle, formando um colorido grotesco com suas lindas mechas douradas. Depois de retirada do carro, já na maca que a levaria para o hospital gritava: - “Mamãe vou morrer?”Adriana acompanhou a filha o tempo todo no hospital”. Já não estava sozinha para cuidar da menina. O pai antes tão ausente, agora não saía do lado do leito da pequenina. Largara o trabalho, não comia direito, não trocava de roupa, não fazia a barba, na esperança tênue de ver alguma possível melhora no quadro da filha. Desde que ela deu entrada na UTI não saíra do estado de coma.

Adriana pouco conversava com Alberto, mas trocavam olhares significativos. Ele sentia dó de ver como ela estava. Ela nem se dava conta de como uma tragédia os tinha aproximado tanto, que parecia que conversavam por telepatia. Ele adivinhava tudo o que ela pensava, até o pequeno desejo de tomar um simples café. Antes que ela falasse qualquer coisa, ele já mostrava o caminho. Ficavam horas intermináveis observando a pequena filha que se despedia aos poucos do mundo que pouco tinha conhecido em seus quatro anos.

Dezessete dias, sem dar sinais de melhora. Isabelle continuava estável, mas seu estado era muito grave. Os médicos não davam esperanças, só diziam que o tempo poderia ser o melhor remédio. Numa manhã ensolarada, quando o sol brilhava intensamente num céu azulado, como os olhos de Isabelle, a menina recuperou-se repentinamente e na parte da tarde, já balbuciava algumas palavras para a enfermeira de plantão. Os médicos ficaram surpreendidos com sua rápida recuperação. E duas semanas depois ela voltou para casa. Ainda convalescente, e feliz porque sua mãe ficaria com ela em casa em tempo integral, pois tinha pedido uma licença no trabalho para cuidar dela, enquanto se recuperava, Isabelle contou a seguinte história para a mãe:

“No inicio, eu gritava desesperada: - Mãe eu vou morrer? Sei eu gritei até perder a voz. Eu não via você. Onde estava mãezinha. Eu vi muitos homens, mulheres e crianças muito diferentes de nós, eles pareciam transparentes e cheios de luz, e me diziam para ter calma que tudo ia ficar bem. Eu tinha uma dor enorme na cabeça, e não conseguia abrir os olhos, mas continuava enxergando. Eu via os dois mundos. Lá onde eu estava com aquelas pessoas iluminada, parecia que elas eram azuis por dentro da roupa, e via também este mundo aqui, onde estamos. Eu vi o papai ao seu lado. Eu vi você chorando no meu quarto, perto das minhas bonecas. Eu vi minhas duas amiguinhas brincando na escola. Teve uma tarde que uma delas estava muito triste, e ela conversou comigo e perguntou se eu não ia mais voltar à escola, se só tinha ido lá fazer uma visita. Eu disse que não sabia, pois eu queria ficar mais lá do que aqui, mas tinha a minha mãe e o meu pai. Eles iam ficar muito tristes, se eu ficasse lá, então se a Luz maior me deixasse escolher eu voltaria para ficar aqui do lado de todos que eu gosto, e um dia eu voltaria feliz para o outro lado. Eu acho que a luz maior é muito boa, permitiu que eu ficasse junto com vocês. O papai ainda vai voltar a morar aqui em casa. Eu vi quando estava lá do outro lado. Ele estava morando aqui com nós duas”.

A esta altura a mãe interrompeu e falou: - “Já chega, gostei de sua história, quanto ao papai voltar a morar aqui em casa, é difícil. Ele já tem outra mulher, e eles vão ganhar um bebezinho, que vai ser seu irmãozinho”. Isabelle ouviu calmamente, e depois olhou tristemente, para a mãe e falou: - Não o papai vai morar aqui de novo. Adriana não falou mais nada.

Alguns meses se passaram, chegou o aniversário de cinco anos de Isabelle. Nesse dia ela não foi à escola. Era um sábado, seu pais combinaram passar o dia inteiro com ela. Foram passear no parque, passearam no shopping e foram até uma loja de animais de estimação. Isabelle sonhava ganhar um cãozinho, mas diante das negativas dos pais, conformou-se em ganhar um cãozinho de pelúcia. Quando estava chegando à tardinha, o pai afastou-se para falar ao celular. Estava com o rosto alterado quando olhou para as duas que o interrogavam mudas. Ele não deu muitas explicações e saiu correndo do shopping.

Isabelle recusava-se a ir para a cama. Alegava que era o dia de seu aniversário e ia esperar a volta do pai para contar-lhe uma história. Dormiu abraçada com a mãe, esperando pelo pai para contar-lhe uma história. Na manhã seguinte, o domingo começou agitado, bem cedo, Adriana foi acordada pelo toque do celular. Estranhou ao ver o número de Marcos, atendeu, e notou que havia um silencio prolongado entre as poucas palavras que ele pronunciou: - “Parece... que... o... mundo... acabou... A... Isabelle... está... acordada... Eu... não... sei como contar para ela. Eu acho que não vou poder contar agora. Acho que um dia destes eu vou comprar aquele cãozinho que ela gostou tanto...”

Adriana perguntou diretamente: - “Você está chorando o que aconteceu? Está tudo bem?

Marcos desabou do outro lado: - “Claro que não. Eu nem queria te ligar, eu ia ligar para a minha mãe, mas depois eu pensei: “- É domingo, tão cedo ainda. Eu estou na maternidade. Posso ir até aí tomar café? . Ele desligou sem esperar a resposta de Adriana. Parecia que precisava de forças para recomeçar uma nova etapa de sua vida. Chegou em casa, abatido, cansado, triste e quase mudo. Adriana e Isabelle o esperavam. Ele finalmente voltara para casa, como Isabelle sonhara. A menina não disse ao pai, o que ela tinha visto do lado de lá, mas tinha contado a mãe parte do que vira que um dia, o pai voltaria para casa.

Marcos precisaria do amor de Isabelle e da fortaleza de Adriana para enfrentar a dupla tragédia, mulher e filho morreram após terrível e fatal parto.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 17/05/2012
Código do texto: T3672059
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