A confissão

A luz estava apagada quando tudo começou.

Senti o toque leve de uma mão nas minhas costas. No primeiro momento parecia que era apenas para se certificar da minha presença. Depois a mesma mão escorregou vagarosamente até me achar a orelha e ao mesmo tempo girava preguiçosamente o corpo para meu lado da cama, então, encostou o rosto no meu ombro, puxou demoradamente o fôlego e murmurou algumas palavras, as quais não poderiam ser compreendidas, visto que o som de cada uma delas era abafado pelo desejo. Fingi dormir e me mantive imóvel na tentativa de prolongar ao máximo o apelo quase desesperado.

Alguns minutos se passaram e a exploração não concedida continuou. Ela me tocava os pés! Ela sabia do meu ponto fraco, sabia que o toque no pé me levaria ao ponto que ela precisava me deixar. E num instante! Estava eu grudado naquele corpo, e dificilmente eu o abandonaria, pois, somente ele é capaz de me levar aos limites mais insólitos dos desejos humanos.

Eu gostava! Gostava muito de sentir aquelas mãos macias tocar todo meu corpo, que aos poucos se agitava até próximo a uma convulsão descontrolada onde todas as possibilidades tornam se realizáveis e o controle já não tem importância.

Mas ela conseguia habilmente me (des)controlar. Segurava meus braços junto a larga cabeceira da cama e me mordia carinhosamente os lábios, depois me beija o queixo ao dizer: Adoro essa covinha! E só então me soltava uma das mãos para que eu a tocasse e quando isso ocorria! Já estava preso entre suas pernas. De onde só sairia se realizasse todos os seus desejos, até os mais insanos.

Agora meu corpo já sem força, passa da categoria de objeto de consumo a objeto de contemplação. A luz é imediatamente acesa, os raios agressivos aos meus olhos revelam um corpo nu e quase sem forças sobre o leito desfeito.

Essa é uma das situações que me proporciona o maior desconforto e ao mesmo tempo é o que ela adora fazer! Observar o meu corpo nu. Fico extremamente furioso! Mas quase sempre nada posso fazer, ela sempre tece um comentário e se retira em seguida. Mas hoje foi diferente, ela simplesmente se sentou em uma cadeira ao pé da cama e desatinou a comentar detalhes do meu físico, os quais prefiro não repetir e não me interessa dividir com vocês problemas dessa natureza.

Já em estado de cólera e envergonhado pedi para que parasse, mas minhas súplicas pareciam lhe proporcionar um prazer estranho e descomunal. Mudou sua expressão facial e continuou a alimentar o monstruoso sarcasmo, que sob a luz provocava pavor.

A luz acesa, o riso esfomeado e o meu desespero somaram a medida da minha loucura e violentamente me lancei à aquele corpo com o punho fechado. Logo após o primeiro golpe, ela caiu com a cabeça contra um móvel e um tanto quanto atordoada. Não foi difícil acertar o seu rosto várias vezes.

Era possível sentir uma mistura de prazer e desespero, o cheiro do sangue me alimentava e a extrapolação física me conduziu a um ato, que somente poderá ser compreendido se considerarmos o homem, como sendo um animal capaz de ignorar todo desenvolvimento racional e, num instante, resgatar sua natureza selvagem e impiedosa.

Segue que, depois de ela já com o rosto desfigurado e ainda tentado sorrir, me pediu para ser arrastada pelos cabelos. O que prontamente atendi, considerando que ela também sentia prazer, arremeti seu corpo algumas vezes contra a cômoda e o criado e só então lhe abri a boca, orifício no qual coloquei com cuidado um dos pés da cadeira, móvel em que subi para retirar a lâmpada que me perturbava.

Sidi Leite

Goiânia, Primavera de 2006.

Sidi Leite
Enviado por Sidi Leite em 12/02/2007
Reeditado em 15/08/2008
Código do texto: T378207
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