Velhos amigos

José da Silva acordou antes do sol como de costume, afastou o pano encardido que servia de cortina para a pequena janela do quarto e cantou para acordar o galo, José da Silva acordava antes do sol e antes do galo Precioso. José da Silva garimpava desde menino, a princípio com o pai e avô. O avô do Zé morreu nas garras de uma pintada que apareceu sorrateira em uma manhã de domingo lá na beira do rio Timbu. O pai do Zé encantou-se por uma índia da tribo Timbuinhangu e com ela desapareceu por esse mundo a fora. Com quatorze anos de idade José da Silva estava só no mundo, o que sabia de sua mãe eram coisas que lhes foram ditas por seu avô, o pai nunca falava sobre ela. Então José da silva sabia que sua mãe era muito bonita, que o amava muito, que assava o melhor biju daquele lado do rio Timbu e que morrera na hora do parto.

Mas voltemos ao quarto do Zé que estava na janela cantando para acordar o galo Precioso. Precioso sempre respondia ao canto do Zé dobrando canto atrás de canto, e Zé sorria, mas dessa vez não houve resposta. Zé pressentiu algo muito errado e correu à procura de Precioso. Precioso estava em estado lastimável caído em uma poça de sangue, mas ainda vivo. Zé jogou-se ao chão e abraçou seu único amigo e companheiro, aconchegou precioso no colo e sentiu o sangue quente correr por seu corpo. Zé acariciava o galo tal qual mãe acaricia o rebento adoecido. O sol chegou de sua viagem noturna iluminando a dor de Zé e de Precioso. Então Zé percebeu que seu amigo moribundo chorava, sim, lágrimas corriam dos olhos de precioso enquanto fitava firmemente os olhos chorosos de Zé.

Foi quando aconteceu o que não se poderia se quer imaginar:

“É chegada a hora de partirmos”, falou Precioso, “Meu destino está cumprido querido amigo José da Silva, o seu destino está para ser cumprido, deixe tudo como está, deixe tudo onde está, e vá para o outro lado do rio”.

José da Silva estava tão triste vendo seu amigo único partindo da vida que nem se deu conta do milagre acontecido, ouviu Precioso falar como se fosse coisa natural falatório de galo. Com as mãos cavou a cova para o amigo, forrou o fundo com grama, folhas das arvores e flores, cobriu a cova com terra preta da floresta e imediatamente partiu para o outro lado do rio em busca do seu destino. Quem vise aquele homem cruzando o rio Timbu a nado, com braçadas vigorosas, teria dificuldade em acreditar que José da Silva cantou da janela de seu quarto por noventa e oito anos para acordar seu Precioso amigo antes do sol nascer.

O destino de José da Silva lá do outro lado do rio eu nunca soube qual foi, ou qual será.

 
Yamãnu_1
Enviado por Yamãnu_1 em 01/11/2012
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