“OLINO E O O MENINO DO ARCO-ÍRIS

De família pobre, Olino custeava seus estudos com o emprego de então, que teria que ser noturno, já que estudava durante o dia.

Mas ao final de dois anos prestando serviços na firma em que trabalhava, foi demitido injustamente. Procurou seus direitos trabalhistas a fim de receber a indenização pela demissão sem justa causa. Mas não conseguiu, entretanto, ganhar na justiça devido a interferência de advogados espertos que persuadiram o juiz em favor da firma. Revoltado, saiu do fórum a andar sem rumo pelas ruas da cidade praiana em que morava.

Pensava na cegueira da justiça dos homens. Estava descrente da vida; teria que parar os estudos, já que não encontrava outro emprego noturno, e tinha que lutar pela subsistência.

Indo para a praia, passou a vagar pelas areias brancas do mar; o dia entardecera. Olhou para o sol que fracamente iluminava o horizonte sobre as águas. Gostava de admirar sua luz vespertina; mas pensava:

"Para que serve esta luz? O dia? a noite? Afinal em que resulta a existência? Seria um sonho louco? Um pesadelo? Deve ser tudo um sonho! Nada existe!"

Continuava caminhando sem rumo. Pensava de como conseguir outro emprego. Sua mãe dependia dele. E os estudos? Que faria para conseguir estudando?

Divagava, perdido em seus problemas, quando viu na praia à beira da água, uma criança brincando na areia.

"Um menino pequenino! - exclamou - está em perigo próximo ao rebento das ondas".

Preocupado, dirigiu-se para perto dele, e pôs-se a conversar:

-Ei menininho; o que faz ai na areia, nesta praia deserta? Este local é perigoso, és tão pequeno!

-Estou filtrando a água do mar para beber, tenho sede.

-Tentas tirar o sal da água do mar? Mas isto é impossível!

-Existem muitas coisas impossíveis - disse o menino - mas podem acontecer!

-Usas a própria areia salgada para filtrar a água! isso não resultará em nada! Vem, saia desse lugar, as ondas estão aumentando. Veja, as cristas já estão te alcançando!

-Mas estou com sede. Veja este pocinho aqui, já filtrei um pouco. Você também está com sede, quer beber comigo?

-Ora, não estou com sede no momento. Ademais água salgada ninguém bebe! Diga-me: Quem são teus pais?

-Não adianta eu falar. Você não os conhece.

A pequena criança aparentava ter apenas um ano de idade, Olino se preocupava. Era um caso sério deixá-la ali, próximo ás violentas cristas, cujas marés as faziam crescer gradativamente.

-Dá-me tua mão. Saiamos daqui!

-Mas tenho sede. Veja quanta água. Quero bebê-la!

-Minha casa fica perto, dar-lhe-ei água fresca. Vamos!

-Não posso te acompanhar. Mas podes ficar comigo um pouco. Vamos nos retirar fora do alcance da maré. Gostei de você. Como é seu nome?

-Olino, e você?

-Eu me chamo Cris. Sou filho do arco íris.

-Ora, que conversa! Vê lá se arco íris tem filho!

-Pois é. Meu pai é tão lindo. Bem...não queres beber da minha água?

-Eu? beber água salgada? Ainda mais sem sede?

-Estás sedento, amigo; sede de justiça. Pensas que não sei?

-Como? Entendes dessas coisas?

-Veja! uma crista enorme, vai nos molhar, dá-me sua mão.

De repente Olino viu-se elevado no ar pela criança. As pequeninas mãos, todavia não fazia pressão nas suas. Ficara leve de repente.

-Que truque foi esse? Ó pequenino!

-A água ia nos molhar. Vamos nos sentar nessa areia. Bem... diga-me: tens sede de justiça, conforme te disse?

-Ah! meu jovem amigo. Perdi uma causa justa. Realmente tenho sede de justiça.

-Você sabia que a justiça é uma água salgada, como a do mar?

-Ora, que comparação! Mas continue.

-Achastes impossível eu beber água salgada. Pois bem! digo-te que é possível. Assim como tua causa, há como resolve-la!

Olino maravilhava-se com os assuntos da criança, que para surpresa dele começou a falar sobre o sal e sobre a física:

-Sabe de uma coisa: - disse-lhe - O cloreto de sódio da água do mar, é semelhante as distorções das leis humanas. Elas, as leis, são boas, porém as misturas as deterioram!

O sol poente irradiando seus últimos fulgores, fazia com que os cabelos louros do pequeno Cris tivessem a coloração do ouro. Seus olhos azuis eram como duas pérolas brilhantes. Pareciam irradiar dentro do olhar de Olino uma estranha magia. Tão pequenino, com tais palavras. Era para se ter nele toda atenção!

-Você sabe o que é cloreto de sódio? - disse Olino.

-São os elementos que formam o tão conhecido sal de cozinha - disse a criança. Você não sabe, porém, com eles mesmos se consegue água doce. Seria como as leis distorcidas: Com elas próprias se consegue o direito!

-Agora você me confundiu. Como se consegue água doce, usando sal?

-É simples: Faça uma osmose: ferva a água do mar com sódio; o vapor da água sublimado, depois destilado, será água doce!

-Caramba! Já estudei sobre isto, só que nunca fiz experiência. Quem é você? Tu me impressionas!

-Já lhe disse. Meu pai é o arco íris. Ele entende tudo. Vê tudo do alto. Até as leis humanas compreende. Mas diga-me: por que estavas a vagar pela praia?

-Estava muito triste. Tinha um emprego noturno. Foi dado a um parente do meu chefe. Demitiram-me sem causa. Embora não quisesse, porém me aconselharam a procurar meus direitos, que faria jus a uma indenização. Mas houve interferências no julgamento da causa, vindo o juiz a pender em favor da empresa. Sai sem direito a receber um vintém. Pensava em minha mãe, tem estado doente, não pode trabalhar e eu estudo durante o dia. Meus horizontes se escureceram de repente.

-Ah! Realmente, tens sede de justiça. Veja essa areia. Como é branca! Principalmente agora que o sol se ocultou, deixando tudo na penumbra.

-Estou encantado contigo, ó pequenino. Como sabes das coisas! Diga-me quem és?

-Vou falar um pouco, vejo que és pessoa erudita - disse o menino - atentes para mim:

-Outrora as trevas primavam sobre aquilo que se diz nada, nesta dimensão não havia luz, contudo em outra sempre existiu um arco-íris; um círculo, algo sem começo nem fim. Esse círculo é meu pai. Luz, único substantivo que irá subsistir. Aqui é o contraste da existência. Lá é a eternidade. As trevas estão nesta dimensão, quer na falta de luz, quer na alma humana. Tu Olino tens sido ofuscado pelas trevas dos procedimentos de teus semelhantes. Divagavas em pensamentos ao andares pela praia deserta: Para que serve a luz? O dia? A noite? Meu pai mandou-me aqui. Achou-te digno de receber-me, aconselhar-te e até conceder-te alguma petição. Peça-me algo, tenho ordens de realizar tua vontade dentro dos parâmetros de teus direitos".

Para Olino as palavras soavam como música. Sentia nas palavras do pequenino uma realização de seus sonhos.

-Você é sobrenatural? - perguntou Olino.

-Que não sou de seu mundo, podes crer. Moro nas regiões celestiais, onde só pode ir o pensamento humano!

-Percebo que realmente és diferente de qualquer criança de tua

idade. Poderias dar-me algo? Gostaria de ter meu emprego novamente e prosseguir meus estudos.

-Meu pai fará coisa melhor para ti. Veja aquela concha, abra-a, ali tem uma grande pérola. Só poderás vê-la e apalpá-la, mas terás seus valores e completarás seus estudos sem te preocupares com emprego, cuidarás também de tua mãe, sem que precises deixá-la a sós. Bem... Vou partindo. Contigo aconteceu o que achavas impossível: água do mar transformada em água doce!

Depois daquelas palavras, surgiu vindo do alto, um raio de luz, que incidindo sobre as gotículas de sereno, formou um belo arco-íris, coisa impossível de acontecer, mas Olino viu e se maravilhou; pensou na luz, e nos olhos. Pôs-se a andar como que perdido e solitário pela praia em direção a sua reidência. Uma grande pérola estava em suas mãos. Sentia seus ideais se realizarem.

Era Deus interferindo em sua vida.

Ao chegar em casa, sua mãe lhe entregou dois envelopes vindos pelo correio. Num deles continha uma carta de sua escola, na qual lhe ofereciam um bom emprego e ainda lhe franqueariam seus estudos de física. No outro envelope, um cheque de grande valor, em seu nome. Era a indenização pela perda do emprego. Seus pensamentos voltaram à praia; viu claramente em sua mente a bela criança como que sorrindo. E a pérola, queria mostrar para sua mãe. Onde a pusera?

Naquele momento viu pela janela, um arco-íris elevando a criança com a pérola na mão. Pode ouvir também sua doce voz dizendo: "não necessitarás dela, era apenas a figura da esperança"

Olino não se entristeceu com o desaparecimento da pérola, todavia ficou impressionado com os acontecimentos do dia. Ao dormir pareceu-lhe ter um sonho: chorava de alegria, viu dos seus olhos cheios de lágrimas surgir um risco curvo, com luzes multicoloridas. Era um arco-íris. Viu a pequenina criança, de olhos azuis, acenando-lhe, como que dizendo até breve!

Os dias passaram. Olino completou seus estudos formando-se para engenheiro. Sua mãe ficara boa, já que recebera o dom da saúde do pequeno Cris.

A mesma firma que o despedira alguns anos atrás, o contratou como projetista. Com o passar dos dias comprou a empresa, já que alcançou sucesso nos projetos e administração de sistemas implantados. Era a pérola que ainda fazia seus efeitos de enriquecimento sobre Olino, que humanamente tratava a todos os funcionários da empresa da qual fora guarda noturno. Em tempo certo veio a casar-se tendo vida feliz com sua esposa, para a qual sempre falava de seu encontro com o anjo Cris.

FIM DE: “OLINO E O ARCO-ÍRIS

Por Coimbra "O peregrino de Luzirmil"