ROMANCINHO

O olhar obliquo sempre para o lado da sua simples mesa de pinus: a luminária sorria-lhe ligada, iluminando o quadrado onde estava a ler atenciosamente, no quarto fresco e escuro com qualquer outro a dormitar ali num canto.

O silencio total se existisse o endoideceria, mas a paz imóvel era conforto e conhecimento. A luminária sorria para ele cheia de vida, alegria e esperança.

Minha luminária – dizia repleto de prepotência branda, desviando-se um pouco de sua atenção entretida e egoísta.

Como se pudesse chorar com as paginas do livro, emocionava-se com o cheiro de lavanda do desinfetante pela casa durante o dia.

Aquela noite seria como muitas que viriam e se passariam: sozinho com sua luminária. Ela era jovem, calma e sorridente.Quase podia ouvi-la falar, assim como a olha de esguelha ela o olha de frente com um sorriso vivo de pessoa útil.

Sim, a luminária!

Sabia que durante o dia ela vivia a covardia da solidão análoga à covardia que ele vivia entre seus comensais.

Mas eu te amo, ele diria sempre ao chegar depois de derrotado de mais uma batalha inútil.

Abraçava terno, lento a cabeça fria de sua companheira, demorava as noites insones em sua companhia porque a amava alem de tudo. Porque mais importante que sua realização intelectual era ver a felicidade dela: a sua luminária.Ela sim, exclusivamente a si pertencia.

O mundo girava sobre a abobada do céu transformado ele só desejava seu mundo secreto, recôndito e exíguo. Seu mundo e o da sua luminária.Assim a cabeça dela quente: o calor da vida, a silhueta de um sorriso aparentemente existente.

Houve um silencio dentro do seu pensamento, um secreto silencio pleno com sua mente sem mais nada a procurar: a luminária falava, falava baixinho, num ciciar respeitoso de voz. A luminária abria a verdade singela de sua imperecível existência: Amava-lhe.

Havia coragem densa e forte na relação dos dois: A confissão. Existiam sólidos acreditando e sem medo da morte.

Mas nunca te separes de mim - era a luminária pedindo humilde.

Não, nunca – afirmava distraído com o que o olhar o puxava.

A luminária pedia ignorando que a vida de cada um era um rumo ao fim secreto e individual. Ele apenas queria observar o momento sedento a cada instante um com a companhia do outro.A paz conquistada por cada momento se esperando a guerra – que por bem – não vinha.Fora deste circulo funcionava o nada turbulento de um mundo devorador em dias e horas.

Às vezes quando nada mais dizia por fora é que dentro a luminária falava compreendida de sentimentos, entrecortada nas palavras por reticências. Sorriso vivo de pessoa útil, acesa como a alegria e a esperança.Mera como a coincidência.Permanente e evanescente ao mesmo tempo.Azinhavre e doce como o medo ansioso de saber o que um dia pode se perder.

A certeza!

Recordar era um cheiro dentro e difuso: ao dia pela noite chegando.

A poeira chegava a ela sem que ela tivesse forças para lutar, porem tinha sua recompensa: a afável e duradoura declaração de amor silenciosa.

Mas ele era como os seres humanos sem ignorância: louco, e dizia-lhe no que ela já sabia: amava-o.

O beijo era o prender de uma nova lâmpada ardente em sua boca. O sexo era o segredo de mundo sem limites Às suas vistas. Assim tinham orgasmos, vivendo a saudade já dentro do presente como se o que pudesse fugir – sem ser notado – pudesse ser flagrado como fotografia a cada se mover.

Em certos momentos – sem que depois quase pudessem lembrar – havia uma vírgula após a outra; ficavam repletos, acesos de um amor tranqüilo sem exigências ou perspectivas. Ele voltava sempre doido para casa na busca da sua luminária. Era aconchegante dizer o quanto a amava. Assim o que há instantes o cortara como navalha passava sem mais dor e vestígios, como poeira que sumira num assopro ou espanar.

Apesar de tudo, escondendo isto da luminária, com toda verdade de sentimentos que vivia, ele se sentia – ao fundo falso de si mesmo – como um fiapo de nuvem num céu atordoado de azul.

Rodney Aragão, 17 de setembro de 2007.