CORAÇÃO SOLITÁRIO 
 
Fora avisado pela manhã, na biblioteca, quando mal havia depositado os livros sobre a mesa e se preparava para as pesquisas. Como de costume, leria um conto, depois mergulharia com fervor religioso na leitura do Tratado Prático de Genética. Somente após se encaminharia para o consultório. Mas, naquela manhã, não, pois o comunicado viera apressado, quase numa súplica “que seria hoje”. O homem avisara em tom de quem revela um segredo. “A mulher do casarão. É chegada a hora”.  

Como se tratasse de alguém a quem nutria um considerável respeito, achou melhor largar tudo e atender. Mormente porque o fato era esperado com ansiedade, 

Quando chegou, o Dr. Josias já o aguardava. Trocaram palavras em sussurros, olhando para os lados, embora a rua estivesse deserta. Josias mostrou as ferramentas, novas e brilhantes. Importadas, disse. Seguiram. Em frente à casa velha, somente a fraca luz de um poste. No mais, não perecia haver vida por ali.  

Josias abre portão, sem ruído. Tivera o cuidado de azeitá-lo, na noite anterior. Um gato dá um pulo do telhado, faiscando os olhos. Os doutores também pulam, de susto. Aguardam. Nada mais se mexe. Sob o tapete, a chave da porta. Entram. Sabem de cor o caminho. Não precisam de luz. Os únicos ruídos são de seus corações. Logo, um terceiro, palpitante e silencioso lhes fará companhia. 

Sobre a cama, onde a luz da lua ilumina, a velha senhora jaz inerte, a boca aberta, um braço pendurado. Sono profundo. Nem chega a sentir a picada da agulha. Os médicos trabalham com perícia.


O coração é colocado num recipiente.  


 


 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 03/06/2013
Reeditado em 21/06/2013
Código do texto: T4322620
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