A MENINA DOS OLHOS                                                                        
 
Saí cedo. Estava ansiosa, incomodada. Paulo deixaria os gêmeos na creche para que não me atrasasse. Cheguei ao escritório e pus-me às voltas com o processo, para uma última olhada. Nada poderia dar errado. Era uma coisa que não gostava de fazer: defender um réu quando não convencida da inocência. Entretanto, aquele caso era especial. Conhecia Eduardo desde que nasci. Excelente pessoa, bom chefe de família, equilibrado, empresário de destaque, reputação ilibada, querido por parentes, amigos, colegas. Tudo o que se pode dizer de bom de um homem. De repente, o escândalo, a notícia nos jornais: matara uma menina, depois de a ter estuprado.
A prova dos autos era contundent
 a absolvê-lo. Preparei uma defesa técnica, mas calcada no trato com as emoções dos jurados.
O salão do júri lotado. Perdi algum tempo olhando para os rostos curiosos. Júri no interior é como escravo na arena para ser devorado pelos leões. Sempre leva o povo ao delírio. A acusação pesada. O Promotor de Justiça soberbo. Quando terminou sua parte, e o Juiz anunciou: com a palavra a defesa, comecei, imponente, firme, resoluta, como se confiante na verdade.e, robusta, não deixando dúvidas. Mas Eduardo e a esposa foram contratar meus serviços. Barba por fazer, olhos fundos de quem passara noites sem dormir, chorando, ajoelhara-se aos meus pés.
— Sou inocente, juro! Preciso de ti. Lembra de quando te colocava em meus joelhos e te contava estorinhas? Só tu podes me salvar. Só tu. Não confio em mais ninguém. Por favor! Faz isto por mim. Ou pelos meus filhos, mas me ajuda.
Aquela súplica, mais o fato de o conhecer há tanto tempo, fizeram-me decidir. 
Fui esmiuçando cada prova, cada depoimento, procurando qualquer indício que me levasse
Sabia tudo da vida do réu. Tudo, assim pensava. Fiz um carnaval com os sentimentos dos jurados e da distinta platéia. Queriam ver um teatro e eu lhes proporcionei. Fiz pantomima, chorei e abusei de recursos que estudara cuidadosamente para que os julgadores fossem levados a decidir pela emoção. Não me restava outra saída. Resultado: sete a zero.
Fui-me deixando envolver pelos abraços e parabéns. Feliz, a vitória tinha um sabor agridoce, fazendo uma pontinha de cócega na minha consciência. Mas os abraços e os cumprimentos, os beijos e os apertos de mão não deixavam aflorar o sentimento que me incomodava.
Eduardo deu-me um abraço apertado, demorado, enquanto me alisava as costas com a mão direita. Não sei explicar como aconteceu. Foi o contato com seu corpo quente, a pele do rosto tocando o meu, o perfume, ou seus olhos? Os olhos... foi isto.
Juro que vi neles a imagem da menina morta, de dedo em riste



 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 16/07/2013
Reeditado em 18/07/2013
Código do texto: T4389771
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