AS AVENTURAS DA ANINHA (2)

- Aninhaaa... Aninhaaaa... Acordou com o chamado. Ergueu a cabeça e observou o quarto. Ficou escutando. Nada. Silêncio total. Olhou o relógio. Seis horas. Seus pais dormiam. Ninguém estava acordado àquela hora. Mas tinha certeza que a estavam chamando. Colocou novamente a cabeça sobre o travesseiro.
- Vou dormir mais um pouco. É muito cedo, - disse baixinho.
- Aninhaaa... Aninhaaaa...
Pulou da cama. Precisava atender ao chamado. Mas não sabia quem era nem de onde vinha aquela voz. De qualquer modo, resolveu investigar. Enquanto trocava de roupa, concluiu que o chamado vinha do castelo de pedras. Há alguns dias que não ia até lá. Como Alice e Jorge estivessem dormindo, resolveu deixar-lhes um bilhete, avisando para onde ia, não querendo ficassem preocupados.
Saiu de casa em silêncio e se encaminhou para o lugar de onde supunha vir a voz. Quando chegou ao castelo, estava normal. Sentou na poltrona de pedra e começou a pensar no que fazer. Levantou-se, indecisa. Encaminhou-se para a entrada. Até onde conseguia ver, não tinha nada especial. Aos poucos, a escuridão tomou conta. Não conseguia mais ver por onde ia. Utilizando-se da lanterna, continuou a caminhada. Uma pedra à frente tolheu-lhe a passagem. Começou a percorrer a pedra com o facho de luz da lanterna, iluminando-a de alto a baixo. Nada. Resolveu voltar. Por certo não havia qualquer passagem por ali.
— Vou tomar o caminho de volta e procurar outra entrada — disse baixinho. Quando se voltou, observou que havia uma fresta na pedra ao lado, de onde podia ver uma tênue claridade. Passou a mão sobre o local. A pedra estava úmida e completamente gelada. Baixou a lanterna e olhou para o chão. Também ali havia uma pequena luz. Examinando melhor, percebeu que havia uma passagem ao rés do chão. Deixou-se e foi-se esgueirando. A claridade aumentou, à medida que avançava.
— Aiiiiiii....
Acabara de rolar em uma ribanceira, somente parando quando o corpo encontrou uma árvore. Assustada com a vertiginosa descida, ficou deitada na neve fofa, que amortecera a queda, até se recuperar. Levantando-se olhando à volta.
— Que lindo! Tudo tão branco! Sacudindo a neve que lhe envolvera, caminhou. Por onde quer que olhasse, era coberto de neve. As montanhas alvas brilhavam com o sol refletindo sobre elas. Altas árvores, enfeitadas de neve, deixavam ver folhas verdes onde a neve não tocara. Absorta, quase foi atropelada por um esquiador, que passou por ela como um vento gelado, cobrindo-a de neve. Sacudiu-se, mais uma vez, e continuou.
— Que bom! Agora sei que não estou sozinha neste lugar. Aos poucos, foi vendo mais e mais esquiadores, cuidando para não lhes atrapalhar o caminho. Avistou uma cabana, onde estavam reunidos. Uma jovem a viu de longe e veio-lhe ao encontro. Aninha viu a surpresa refletida nos olhos da moça. Ambas levaram um susto. Aninha ficou paralisada. A moça era completamente branca, da mesma cor da neve. Tinha olhos negros penetrantes, envolvidos por cílios e sobrancelhas negras, formando contraste com o alvo da pele. Os lábios eram carnudos e rosados. Vestia um grosso casaco, com capuz, coberto de lã e comprido até os pés.
— Quem é você? Como veio parar aqui? Recuperando-se do susto, Aninha respondeu:
— Ouvi me chamarem. Então, vim procurar e caí de uma montanha gelada. Quase fui atropelada por um esquiador. Depois vim até aqui. Quem é a senhora?
— Meu nome é Alvina. Moro aqui desde que nasci. Meus pais assim como meus avós sempre moraram aqui. Mas nunca vimos uma pessoa como você, assim, tão estranha. Aninha pôs-se a rir, o que fez Alvina acompanhá-la. — Eu, estranha? A senhora é que é. Também nunca tinha visto uma pessoa assim. Todos aqui são iguais à senhora?
— Iguais em que sentido?
— Assim... tão brancos, parecidos com a neve?
— Sim. Todos. Quero te apresentar para minha família. Venha. Chegaram à cabana. Próximas a uma lareira, algumas pessoas. Não usavam o capuz. O local aquecido. Aninha pôde observar um por um dos presentes, com olhos arregalados, paralisada na entrada. Foi preciso que Alvina a tocasse.
— Esta é minha família — disse, sorrindo para Aninha.
— Estes são meus pais e meus irmãos. Faziam perguntas ao mesmo tempo. Principalmente as crianças, umas bolinhas de neve — como pensara Aninha. O mais curioso era um menino, aparentemente da mesma idade de Aninha. Pediu licença e começou a tocá-la.
— Você é gente? Sabe falar? Quem te trouxe até aqui? Enquanto perguntava, rodeava a garota, tocando-lhe as mãos, rosto e cabelos. — Para, Aldo! Assim sufocas a menina. Vamos deixar que ela se sente. Deve estar com frio. Venha, querida. Senta-te aqui, para descansares um pouco e poder matar nossa curiosidade, respondendo a algumas perguntas — disse a mãe de Alvina.
Aninha sentou-se, instalando-se numa poltrona coberta com peles fofas. Aldo sentou-se no chão aos seus pés. Outra bolinha de neve, que mais tarde soube tratar-se de Altair, sentou-se a seu lado. Choveram perguntas. Aninha ainda não tinha conseguido abrir a boca.
— Atenção, pessoal! Fiquem calados. Vamos falar um de cada vez — pediu Alvina. O nome dela é Aninha. Encontrei-a lá embaixo. Está aqui porque ouviu um chamado e resolveu procurar quem a chamava. Refeita e atenta, observando tudo, Aninha começou a falar.
— Assim como estão me achando estranha, também os acho. Onde moro, as pessoas são diferentes, têm as mesmas cores que eu. Não tem neve. Nunca tinha visto neve antes. Só nos filmes. Ia respondendo, achando graça das interrogações das crianças. Depois que encerraram, Alvina convidou-a para conhecer o local. Caminharam bastante, até chegarem ao alto de uma colina, onde estavam reunidos os esquiadores.
Alvina apresentou-a para alguns, entre eles dois de seus irmãos, todos com a mesma alvura. Os jovens resolveram ensinar Aninha a esquiar. A garota vibrou com a ideia. Deslizar sobre o gelo era uma coisa que jamais imaginara fazer. Não poderia deixar passar a oportunidade. As primeiras tentativas e quedas não desanimaram Aninha. Incentivavam-na e batiam palmas sempre que atingia algum progresso. Aos poucos, foi se sentindo com coragem. Então, soltaram-na do alto da montanha.
Aninha foi deslizando, em velocidade cada vez maior. Fazia zig-zag por entre as árvores com precisão. Subia e descia montanhas com a mesma velocidade. Não conseguia parar. Não sabia para onde ia, mas o prazer com a vertiginosa corrida deixava-lhe o corpo aquecido. Aos poucos, foi perdendo a velocidade, deslizando suavemente sobre a neve, até parar. Passou a observar o local. Parara em frente a uma montanha, brilhando com o sol que a encobria. Seus olhos foram se acostumando com a claridade intensa. Olhou para o alto e viu que, na verdade, a montanha era um castelo coberto de neve. De repente, a porta se abre, e do castelo sai um rei, ricamente vestido e com coroa cravejada de pedras preciosas.
— Aninha, venha aqui. Entre. Estava te esperando. Que bom que ouviste o meu chamado! Foi se aproximando. Reconheceu na voz do rei a mesma que a acordara. O príncipe era da mesma brancura dos demais.
— Por que me chamava? Quem é o senhor? Como sabia meu nome?
— Calma, Aninha. Vou responder. Mas agora entra. Venha conhecer o castelo.
Dentro, o esplendor deixou Aninha paralisada. Na brancura das paredes de gelo, destacava-se o amarelo das peças de ouro que ornamentavam o local. O ambiente estava aquecido. Acompanhada do rei, entrou em uma suntuosa sala. O rei sentou-se no trono, convidando-a para se sentar ao seu lado, num trono menor. Sorria, olhando-a emocionado. A menina correspondia àquele olhar, com carinho, como se o conhecesse há anos.
— Por favor, diga por que me chamava.
— Sei que estás curiosa. E tens razão. Fazia muito que te chamava, mas não me ouvias. Somente agora tive autorização de te fazer me ouvir, porque preciso de ti.
— Como eu poderia ajudar um rei?
— O que vou te contar pode te parecer uma história estranha. Por isto, peço-te que me escute com atenção, sem me interromper. Há muitos e muitos anos, mais do que podes imaginar, vivias aqui neste mundo, onde eras a rainha. Mas um dia um feiticeiro malvado, que desejava tomar conta do teu trono, fez uma feitiçaria, fazendo teu corpo adormecer eternamente, não podendo mais retornar à vida no nosso mundo. O rei de então, conseguiu eliminar o feiticeiro, mas não teve condições de desfazer o feitiço. Passaste a viver tuas vidas fora daqui. Ocorre que com o passar dos anos, tua descendência foi se desfazendo, restando somente eu, que já estou velho. Por isto tive autorização para te procurar, até te encontrar. Tive de te chamar através do teu sono, pois de outra forma não ouvirias. Aqui, serás a rainha, voltarás a reinar como antes. Sei que não te lembras de nada do que estou te contando, mas é a pura verdade. Cabe a ti decidir. Aninha não conseguia responder nada. Tinha vida maravilhosa, seus pais, seu castelo de pedra, brinquedos e era feliz. Não queria mais nada, mas não sabia como dizer ao bondoso rei tudo isto, vendo que ele a olhava com esperança. Se tivera vidas ali, com certeza tinha encerrado a missão. Agora, outro mundo a chamava, precisava viver no mundo atual, para cumprir aquilo a que fora destinada. Retornar seria um retrocesso na energia de vida.
— Sei que é uma decisão difícil, Aninha. Por isto, vou te propor uma coisa: voltas para a tua vida e analisas a importância de retomares teu lugar neste mundo. Pense no quanto és necessária aqui. Se decidires voltar, basta chegares até a pedra gelada do castelo de pedra e me chamar. Estarei te esperando, até decidires.
— Senhor rei, vou pensar com carinho no pedido, mas posso deixar agora afirmado que, embora compreenda o que está me propondo, dificilmente retornarei, pois tenho certeza de que outra é a missão que me espera onde vivo. Quando terminou a frase, sentiu um torpor, como se estivesse adormecendo. Reagiu. Não posso dormir agora, preciso sair deste mundo. Levantou-se e disse:
— Adeus rei, preciso ir...
Olhou à volta. Estava em frente ao castelo de pedra, como num passe de mágica, com a imagem do rei ainda viva em seus olhos.


 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 17/08/2013
Reeditado em 17/08/2013
Código do texto: T4439299
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