UM CORPO ESTRANHO, OU MELHOR, UMA ALMA ESTRANHA.

A vida nunca tinha sido fácil, mas ele não era mais de se encolher. Se a vida estava assim ele levantava para seis e não esmorecia como até então. A depressão era a companhia onipresente, mas nada de ficar mais prostrado, pois conheceu pouco da vida sem ela, no inicio da caminhada, mas este "pouco" passou a ser o seu "Norte" a ser novamente encontrado.

Por isto é feliz quem tem algum parâmetro.

O imobilismo causado pelo pânico foi até uma determinada tempo onde ele viu, que se não mudasse, corria o risco de ir morar na rua com a morte dos seus pais que não estavam bem de saúde. Seus irmãos não eram as melhores companhias, e isto o fez ir atrás das mudanças, precisava desenvolver meios de sair daquele imobilismo antes que fosse tarde, tarde, tarde demais.

E para quem ficou anos apartado de qualquer convívio social, mesmo dentro de casa, voltar a interagir não era mais tão fácil, então foram anos e mais anos reaprendendo, errando, procurando novo acerto, mas depois de tantos caminhos percorridos, que não eram os mais nobres da sociedade, ele foi galgando passo a passo o caminho da sua independência começando pela rapa da sociedade, a morada de todos os vícios, onde todos são aceitos.

Não sentia mais emoção, pois o pânico ocupava todo o espaço e quando a afetividade pintava entrava em surto, pânico, correr, correr...., mudar de lugar.

E neste processo de se socializar o beber era um meio de inclusão. Onde estão os vícios da sociedade é onde menos se cobra para a entrada de um novo membro. Virou boêmio, pois a vida na noite era mais fácil, mais acessível, e ele virou expert no assunto afinal “Na noite todos os gatos são pardos”.

Pela falta de traquejo muitas vezes ele tinha que pensar como uma pessoa normal agiria em determinada circunstância, pois não tinha ideia, não tinha experiência, e agia pelo que imaginava ser o certo.

Muitas vezes blefava quando em "saias justas", mas viu que a atitude valia muito no meio, e assim foi galgando os degraus para fora da escuridão, do poço lúgubre anímico; muitos riam daquele cara silencioso, sem nenhum traquejo no inicio, mas ele tinha um objetivo e não deixava mais se abater por nada, não deixava mais a "peteca cair".

Se tornou bom de lábia e era muito forte para a bebida, ela nunca o derrubava, mas era como um ator representando uma vida que não era a sua, pois ele também “não sabia qual era a sua". Só ir para longe do pavor social era o seu objetivo primordial.

Caminhos foram se abrindo e do medo nascia coragem e na noite começou a aprender a se relacionar, se tornou um sobrevivente, se equilibrando no fio da navalha onde vivia a sua alma.

Estava como a subir pelas paredes de um poço profundo, escuro e gélido e sem corda para se segurar, e volta e meia caia novamente, mas do medo também nascia a coragem e a perseverança de vencer, pois sabia que a vida merecida de ser vivida só existia fora daquele arcabouço anímico.


E ai foi conquistando tudo que materialmente podia conseguir, como bons carros, bons apartamentos, bons restaurantes e muito tempo livre, fora o que dedicava para ganhar dinheiro, que nesta altura tinha se tornado fácil. Virou um bom conversador.

Mas a felicidade ainda estava muito longe. Atingiu o topo do foço, mas ali havia uma tampa que não permitia mais evolução; só os bens materiais já não faziam mais diferença. Agora tinha que evoluir emocionalmente e ai o bicho voltou a pegar.

Voltou ao fundo do desespero, pois não sabia que caminho tomar, para estes ele não tinha nenhuma pista, nem nenhum coelho na manga.

O período de bebida chegou até o dia em que estava em um ambiente de alta boemia e viu uma mulher de meia idade, uma senhora negra, se aproximar e começar a conversar, mas esta conversa não era com ele, mas sim com alguém que estava usando o espaço dele e ele não estava mais nele, mas do lado observando. Estava assistindo aquela surreal conversa e olhando ali do lado estupefato e vendo que já não era ele que estava guiando o seu corpo.

Ele se viu como mero espectador do que acontecia e a mulher nem olhava para ele; ele não tinha a menor importância para eles. Era como se a mulher estivesse dando uma bronca naquele terceiro, e ela falava com autoridade, e o outro só escutava. Este ele não conseguia visualizar, mas sabia que estava ali pela conversa da mulher.


E foi ai que caiu a ficha para ele do que estava acontecendo nos últimos tempos, pois já há dias acordava e não se lembrava de como tinha chegado em casa. A primeira coisa que fazia era perguntar ao porteiro se o seu carro estava na vaga.

Começou a ter o que é chamado de amnésia alcoólica, mas em todo o lugar em que voltava no dia seguinte só ouvia do tanto que havia aprontado, numa boa, mas ele não se lembrava de nada e aquelas atitudes não eram de sua natureza.

Mas ai ele se tocou que a falta de lembrança que estava tendo não era uma amnésia pura e simples, mas sim algo que está acima da explicação da medicina, mas ele sabia do que se tratava, estava tendo possessões quando bebia, pois a irradiação do seu sangue mudava e facilitava este acontecimento. Isto ele tinha lido na obra “Na Luz da Verdade” dissertação  Possesso – do sábio escritor alemão Abdruschin.

Era hora de sair daquele ambiente e daqueles hábitos onde foi criado desde cedo, mas antes disso ainda encontrou aquela mulher no mesmo lugar de antes, mas a senhora claramente não queria papo com ele, ela claramente não queria aproximação, fugia dele e ele viu, que no caso, ele só era o “ingênuo” da jogada.

Na vida nada é por acaso e aquele acidente tido naquela noite, e que o levou a um Pronto Socorro, foi mais um divisor de águas na sua vida. O acidente o levou para mais um estágio de experiências que tinha que ter na eterna busca de caminhos para sair do labirinto em que vivia a sua alma.

A vida nunca te deixa sem uma nova opção quando a anterior já se deu por vencida, e aquela, a da boêmia, que para ele foi um aprendizado, um rito de passagem, já era para ser deixada para trás.


Conheceu os dois polos extremos de uma vida, estava na hora de conhecer o centro.

"Não é o lugar em que nos encontramos nem as exterioridades que tornam as pessoas felizes; a felicidade provém do íntimo, daquilo que o ser humano sente dentro de si mesmo' Roselis von Sass – www.graal.org.br
 
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