A GATA NO TELHADO

Daqui enxergo o mundo, o que eu quero e o que não quero. Já vi cada coisa que deixou meus pêlos amarelos eriçados. Hoje já nem me surpreendo mais com coisas corriqueiras da vida. Acho tudo tão engraçado...

Gosto de ficar aqui no telhado, quando o sol ainda não está quente. Fico sentadinha, esperando meu namorado, longe da minha dona chata. Por que as pessoas não entendem que os gatos são diferentes dos cachorros? Eu gosto de passear sozinha, não preciso de ninguém para ficar andando do meu lado. A não ser que eu precise... Minha dona, aquela boba, pensou que eu fosse um cachorro assim que me tirou da companhia da minha mãe e dos meus irmãos. Onde já se viu gato com coleira? Miei tanto, fiz um escarcéu sem tamanho, que ela se viu obrigada a arrancar a coleira antes que eu me matasse. Mesmo assim, ela não descansa enquanto não coloca aquela maldito lacinho cor de rosa em mim, que não sobrevive a um dia inteiro das minhas andanças. Às vezes, tenho vontade de dizer para ela: Me esqueça! Mas sabe, ela faz umas comidinhas gostosas para mim. Será que existe alguém que saiba fazer um pedaço de carne tão gostoso igual ao que ela me faz? Minha dona é chata, mas cozinha bem. E depois, eu não gosto de rações para gatos.

Humm... mas eu sou fascinada é pelo namorado dela. No começo, ele não me dava bola. Mas eu me insinuei tanto, me esfreguei tanto naquelas pernas peludas dele que acabei por conquistá-lo. Aliás, eu sou uma conquistadora nata. Ai, ele é um gato de duas pernas. Hoje ele me adora. Daqui do telhado, vejo quando ele chega. Então, eu saio correndo, entro pela janela, pela área, por qualquer lugar e já me ponho na porta. Ouço ele subindo as escadas, sinto o cheiro do perfume dele. Minha dona fica meio enciumada, mas a gata aqui sou eu. Depois que eles se beijam, o namorado dela me pega no colo, me acaricia, ele até já me beijou no focinho! É nestas ocasiões que eu gostaria de ter duas pernas. A minha dona com certeza, já teria perdido o seu namorado para mim.

Ruim mesmo é quando chove. Argh, eu tenho horror a água. Aí não tem jeito. É ficar em casa, enroladinha, esperando que a chuva passe. É um saco! Minha dona fica toda hora me colocando no colo dela, mas eu não fico ali nem um segundo. Que coisa, me deixa em paz. Tenho vontade de dizer a ela que vá comprar um cachorro. Ou vá fazer um filho.

Ontem o gato da vizinha entrou aqui em casa para me namorar. É um gatão branco, peludo, de pedigree. Claro que ele entrou escondido, o sem vergonha. Ele é tão bonito... acho que estou ficando apaixonada, logo eu, imagine só. Mas não tem como resistir àqueles olhos amarelo-esverdeados, o ronronar sedutor e ele sabe como tratar uma gatinha. E eu que me achava tão esperta, fui cair nas armadilhas dele. Se minha dona sabe, corre com ele daqui.

Daqui do telhado enxergo o mundo, o meu mundo. Ele é tão grande e às vezes pequeno demais. Mas chegará o dia em que vou criar coragem de transpor os muros e conhecer outras paisagens. E depois, será que vou querer voltar?

Valentina, a gata.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 15/04/2007
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