Ruas

Olha em volta confuso. Procura referências. Vê a sua frente a bifurcação lhe oferecendo escolhas. Qual eleger? Dilema vital. Sabe o quanto já precisou optar na vida. A angústia no peito denuncia como foi difícil decidir, deixar algo ou alguém por outro.

Mas, agora, não pode seguir pelas duas ruas. A escolha obriga a renúncias e, isso o incomoda. Mas precisa resolver.

Optar por quê? Para quê? Nem sabe o nome dessa cidade ou vilarejo, nem conhece seu próprio destino. Segue, assim, a esmo, como sempre fez, ao acaso.

A neblina envolve as árvores e torna menos nítidos os contornos das casas e postes sem iluminação. Latas de lixo jogadas nas calçadas, parece há muito terem sido saqueadas por cães ou ratos, quem pode ter certeza?

Observa, atentamente aquele V, a sua frente, perdendo-se em perspectiva. Vai pela rua à direita. “O que o levou a escolher a direita?” _ pergunta-se_ Tivera, sempre, tendências esquerdistas.
_”Ou não?!”

Sobe a ladeira íngreme, ladeada por casas fechadas. Nenhuma alma a quem possa perguntar por si mesmo; sobre seu próprio paradeiro. Arriscaria-se, até a passar por um demente, na tentativa de se localizar.
_ “O senhor poderia me informar, onde estou?”_ Pensou na pergunta que faria. Certamente nem responderiam, fugiriam, mas a verdade é que ele desconhece essa rua, aquela mais à frente e, também, as que ficaram para trás.

Anda. Procura não pensar. Há quanto tempo anda? Anda para frente, sempre em frente, suas pernas fraquejam e ele anda pelas ruas, uma após outra, não pode parar.

Envolto nas brumas que não se dissipam, de repente, percebe um vulto. Sim, ele sabe, tem certeza. Passou por uma sombra humana. Examina ao redor. Tudo parece tão deserto!
Volta alguns passos e pára. Imóvel, seus olhos perscrutadores nada percebem. Retoma a caminhada e o vê, de novo. Estanca os passos e nota a porta, que dá para a calçada, completamente aberta. Sôfrego chega até ela e vê o homem, ali na sua frente, na parede oposta. Olham-se.

O outro lhe parece, vagamente, familiar. Estende suas mãos como num pedido e vê o gesto repetido, acena com a cabeça e o indivíduo devolve o cumprimento. A constatação do espelho suspenso na parede lhe deixa confuso. Aproxima-se temeroso e encara de perto o próprio rosto.

Os pensamentos correm pelos fios emaranhados de sua memória, buscando uma saída, mas quinas e quebradas se desdobram ao infinito. A perplexidade amedrontada revela-se, transparente naquele olhar de abismo; abismado, não consegue lembrar-se de quem são esses olhos!


Célia Regina Marinangelo