FESTA NA VÁRZEA

O tutu de feijão estava na mesa. Tudo cheirava muito, cheirava longe e foi buscar a rapaziada que supervisionava o campinho. Dona Dirce, mulata fogosa em seus tempos de escola, terminava o preparo da couve enquanto Joice, sua filha mais velha e Porta-Bandeira da Unidos da Vila Souto, cortava as laranjas seguindo o desenho dos gomos. Jorjão, cheirando a fumaça e carvão, veio com todos os espetos que podia carregar, tinha lingüiça, tinha frango e carne. Não era qualquer carne, era fraldinha da mais macia e no ponto. A cerveja, esperando sua vez, em tambor com gelo e a caipirinha sendo feita na hora. Coisas da várzea. Aos gritos de FESTA!FESTA!FESTA! O bairro se aglomerou no portão. A multidão era tanta que já não se andava no local e nem perto dele. O Datena mandou um helicóptero sobrevoar, todos queriam saber. Nada mais parecia importar naquele domingo. Com o sól a pino foram chegando os políticos, os violeiros e um representante do Prefeito. Tudo nos conformes. Meia hora depois chegou a Kombi, emprestada, com dois jogos de uniforme novinhos em folha, ainda cheirando silk-screen, presente de um Deputado Estadual. De brinde vieram quatro bandeiras de escanteio e as redes para o gol. Os boleiros iam chegando em duplas ou sorrateiros, esguios, calçando suas Havaianas. Tudo pronto para a grande festa de recepção do primeiro craque jamais formado por aquelas bandas. O magrelo alto quase passou desapercebido, mas foi logo reconhecido e carregado. O Presidente do Clube chegou com um ramalhete de flôres e uma pequena placa de prata. “Esse menino vale ouro!” Mais tarde, um pouco, a multidão já não se continha e derrubou o portão. A Tropa de Choque foi acionada e já três helicópteros sobrevoavam a área. Nisso o trânsito da marginal já tinha se transformado em um caos. Caos aumentado com a volta do feriado prolongado. Os caminhões despejaram a tropa, que desceu o porrete em tudo e todos. Gás foi lançado e estragou o almoço feito com tanto carinho. Os primeiros tapas derrubaram o arroz, da carne nem notícia e meio bairro foi parar na Delegacia. A Delegada, moça de fino trato, espantou-se com aquela anomalia. Não tinha cela suficiente, como se para dois ou três tivesse, e o computador deu pau. Do craque nem notícia, os boleiros se mandaram enquanto Joice era estuprada no vestiário. Dona Dirce teve um enfarto e Jorjão foi espancado até a morte no exato momento em que seu neto era vítima de bala perdida. Um repórter teve seu equipamento fotográfico furtado, outro quebrou o braço e um terceiro foi jogado no Tietê. Do enorme bolo não sobrou nem o papel alumínio. Nada mais popular e festivo.