A BONECA DA TETÊ

Tetê era uma daquelas meninas muito bem criadas, de família tipo tradicional. Morava numa casa, quase mansão, lá pelos lados da Rua Joaquim Nabuco. Filha única, aproveitava como podia essa benesse. O pai dentista de renome e a mãe advogada muito requisitada, apaixonados um pelo outro e inseparáveis. Tinham bons carros e todas as novidades eletro-eletrônicas disponíveis no mercado brasileiro. Uma ou outra coisa contrabandeada também, que ninguém é de ferro. De resto uma empregada diarista e um cachorrinho (nenhuma raça em especial) completavam o quadro.

Além da educação formal, Tetê fazia Ballet, Inglês e Francês, aulas de Teatro e Etiqueta, além de ler os Clássicos metódicamente. Fazia anotações. Estava especialmente encantada com Rimbaud e Joyce. Tinha boas notas e muitos amigos, frequentava as festas mais badaladas e o Clube Paineiras. Debutou no Paulistano.

No trato do dia-a-dia era pessoa das mais simples, sendo difícil a seus interlocutores, nos primeiros encontros, perceber toda a sua cultura e erudição. Educada, jamais falou um palavrão ou fez qualquer gesto obsceno. Delicada e sofisticada, destroncava pescoços ao passar com seus vestidos esvoaçantes e seus cabelos bem tratados. 1,70 de altura, sempre com salto agulha, seios fartos e corpo impecável, esculpido em Academia de Shopping. Algumas sardas, excepcionalmente bem localizadas, denotavam presença divina. Fazia Filosofia na PUC e se preparava para, um dia, prestar o concurso do Instituto Rio Branco.

Tinha uma amiga inseparável, estonteante como ela e, quando juntas, podiam parar a Avenida Rubem Berta em pleno "rush". Todos, na família, enalteciam as qualidades da menina e se orgulhavam de terem acertado tanto. Vez por outra aparecia nas colunas sociais e era entrevistada. Chegou a fazer um “book”, mas foi desencorajada pela mãe e as avós de dar continuidade, afinal a vida de modelo não era para moças de família (como se dizia na época).

Frequentava a Igreja todos os domingos pela manhã e comungava, pelo menos, a cada quinze dias. Fazia parte do grupo de mulheres e praticava a caridade sem distinção. Não conhecia a palavra preconceito. Tratava a todos indistintamente bem e se esforçava para um mundo melhor. Foi pioneira das causas ecológicas em seu meio e até participou de manifesto nesse sentido, assustando a todos: a Tetê não era disso!

Tetê parecia estar criando asas mas, ficou noiva. Sossegou, diziam. Foi uma festa para todos os jornais e revistas. Três meses de preparação e três dias de festa na marina do Guarujá. Moço alto, disciplinado, trabalhador, bem cuidado, inteligente e alegre.

De forma inesperada o noivado se arrastou meses e depois, anos. Poucos acreditavam em casamento e a moça foi ficando “pra Tia”. O rapaz se encheu e casou com a primeira “garçonette” que lhe deu atenção. Tetê foi levando a vida com a sua inseparável amiga, a estonteante.

Um dia, sua mãe chegou mais cedo em casa e pegou as duas na cama, sem roupas e aos beijos. No susto, além do grito, puxou o lençol e desmaiou. Estava além da sua capacidade a cena com a qual havia se deparado. As meninas chamaram o Resgate e trataram de se vestir. O pai chegou junto com o socorro e não entendendo nada, pois ambas falavam ao mesmo tempo, tratou de seguir junto para o hospital. Depois de dois dias sedada, a mãe balbuciou no ouvido do marido: “ tem pênis” e este, vermelho feito pimentão, foi correndo chamar o médico. Colapso nervoso, “stress”, foi o diagnóstico. Esta mulher está trabalhando demais. Acabou internada em uma Clínica de Repouso.

O marido, desolado, acabado, visitava-a toda vez que podia além de todos os finais de semana e feriados disponíveis. Apesar de tudo, a vida teria que prosseguir.