Filme de Terror

Estiquei o braço. O ônibus parou. Subi. Não sabia para onde ia, só queria não ficar próximo àquele lugar. Depois de dois anos de detenção você não sabe o que o espera no mundo exterior ao presídio. Eu não tinha para onde ir. Uma semana antes de sair meu pai foi pela primeira vez me visitar. Achei que ele queria me dar a oportunidade de pedir perdão, mas não. Ele apenas deixou um dinheiro e disse que tinha se mudado de casa, que não adiantava procurar. Saiu e nem olhou para trás.

Estava muito feliz para pensar em alguma coisa e nisso o ônibus me ajudava. Aquele chacoalhar afastava qualquer possível pensamento. A euforia de estar livre me obrigava a observar tudo em volta. As ruas, as pessoas no ônibus, o céu, tudo! O sol já estava abaixando num tom de rosa misturado ao laranja que eu nunca vira no presídio.

Eu estava no centro do ônibus, em pé, os olhos vidrados em tudo que se movimentava. Mas de repente a rua parou de correr. Da porta emergiu meia dúzia de pessoas, no meio delas uma me chamou a atenção. Ela era não era linda, mas tinha uns olhos cor de mel que me deixavam vidrado.

Ela caminhou em minha direção e parou de costas para mim. Eu não conseguia olhar diretamente no rosto dela, mas o via refletido no vidro do ônibus. Tornara-se impossível olhar o que estava ao meu redor. Apenas os olhos dela conseguiam fixar meu olhar. Não conseguia nem imaginá-la nua, o balançar impedia-me. Ela nem percebia que eu a olhava intensamente e se percebia fingia perfeitamente não ver.

Fiquei a espreitá-la por vários momentos, até que ela puxou a cordinha que faz o motorista parar o carro e se encaminhou para a porta. Eu não sabia o que fazer queria falar com ela, mas era tímido, queria saber qual o nome dela, quem era ela, se eu podia encontrá-la em algum lugar, mas me faltava coragem. Ela já estava descendo e eu precisava pensar rápido, não sabia o que fazer, ela já estava na rua, a porta começava a se fechar e num impulso eu saí atrás dela.

Ela ia à frente e eu atrás alguns passos torcendo para que ela não percebesse que eu a seguia, acho que deu certo. Ela sequer deu uma olha para mim. Caminhamos por algumas ruas, dobramos um par de esquinas e de repente a vi entrar num prédio velho e imponente com um letreiro de néon na entrada. Era um cinema daqueles que exibem filme antigos e como todos esses cinemas aquele era muito mal conservado. Olhei o preço do ingresso num dos letreiros, apertei, no bolso, o pequeno maço de dinheiro que meu pai me dera e entrei na fila. Ela já tinha entrado na sessão. Comprei o meu ingresso. Entrei também.

Ela estava sentada em uma das cadeiras de couro sintético caqui no meio do cinema, sentei-me na fileira da frente, mas ainda assim não conseguia nem olhar para tela. Assisti a todo o filme refletido nas expressões de seu rosto, o filme deveria ser de terror. O espanto, o terror, o susto, sempre vinham acompanhado de um sorriso de prazer, é engraçado como o medo diverte. Mas isso só acontece no cinema, na vida real o terror é outra coisa.

As luzes se acenderam, ela se levantou eu não acreditava que a sessão já havia acabado, pelo meu relógio natural passaram-se pouco mais de alguns minutos. Ela estava novamente indo embora e eu também não sabia o que fazer, agora não teria mais como segui-la, se o fizesse certamente ela perceberia e ficaria assustada com um ex-presidiário ir atrás dela. Não podia mais segui-la, mas também não conseguia falar com ela. Ela se foi, eu fiquei. Nem mais uma olhada naqueles olhos eu dei.

Estiquei o braço. O ônibus parou. Subi. Agora sabia para onde ia, só esperava que ela também fosse. Quando o ponto onde ela subira na noite anterior se aproximou meu coração bateu mais rápido em contrapartida o ônibus desacelerou até frear. Meia dúzia de cabeças subiram no carro, nenhuma me chamou a atenção. Ela não estava entre elas.

Fui ao cinema, a esperei na entrada, mas ela também não apareceu. Fiz esse roteiro dia após dia até que meu dinheiro acabou e eu não pude mais pegar o ônibus. Nunca mais a encontrei. O nome do filme que assisti aquela noite eu não faço a menor idéia, só sei que tinha as mais lindas cenas de terror que já vi.

Victor Creti Bruzadelli
Enviado por Victor Creti Bruzadelli em 29/04/2007
Código do texto: T468200