Vício

Vício

Madrugada de sábado para domingo. É quando tudo acontece. É quando as bruxas estão soltas. Os demônios sussurram em todos os ouvidos.

Temos a juventude. Somos os donos da cidade. Álcool e drogas são vendidos e consumidos em todos os cantos, como em um grande mercado de peixe.

Homens, mulheres, heteros, bi, homo... O vício não tem sexo nem preconceito. Diversão é a única regra. Sexo é o único objetivo.

Tenho 18 anos recém-completos. Maioridade alcançada. Quero comemorar, me embriagar com tudo que a madrugada me oferecer. Me drogar com tudo que ela me apresentar. Quero transar com a garota mais gostosa da cidade. No estado em que me encontro todas elas são belas. Pegarei a primeira que aparecer.

Saio por aí, guiando meu GOL GTI. Ainda não tenho habilitação, mas não estou nem aí. Quero mais é curtir a noite, curtir minha juventude.

Com mais dois amigos, vamos voando, de bar em zona, de zona em boca, de boca em bar. Os semáforos devem estar todos com defeito, vejo todos eles verdes. Acelero cada vez mais.

Três garotas entram no carro em um dos bares, ou em uma zona, ou em uma das bocas, sei lá, estou drogado demais para perceber onde foi exatamente que elas entraram; só me dei conta, quando uma delas me fazia caricias com sua boca e a outra esticava seis carreiras de cocaína em uma capa de CD.

Eu continuo a guiar em disparada. Sinais de "PARE", semáforos, não enxergo nada. As batidas de "You Could Be Mine" aceleram ainda mais minha mente. Todos falam ao mesmo tempo, eu só ouço ecos e sinos.

Pego a rua principal na contra mão, gritos de loucura, adrenalina e medo tomam conta de todos, eles queriam mais, meu pé vai mais fundo enquanto minha mais nova amiga ao meu lado retomou seus afazeres orais.

Quase cinco da manhã de domingo. As ruas estão vazias. As ruas são minhas. Só minhas se não fosse um jornaleiro, pedalando sua "barra-forte", ainda meio sonolento atravessa a rua sem olhar já que o "PARE" nem é para ele.

Procuro rapidamente o freio, puxando o volante para minha esquerda. Na velocidade em que estou o carro não para, derrapando de lado. O pneu dianteiro bate na guia dando início a uma sessão de capotagem. Quatro, cinco, seis vezes, parando em um poste. Meu corpo foi lançado a uns cinco metros de distância. Como por um milagre eu levanto, sem nenhum arranhão. Estou intacto. Nem estou mais chapado, então corro em direção ao carro em destroços, com as rodas para cima.

Meus amigos agonizam. Gritam por ajuda, mas eu não consigo puxá-los. Choro. Peço a Deus que nos ajude. Uma sensação de incompetência toma conta de mim vendo eles ali e eu sem conseguir fazer nada. Começo a reparar nas circunstâncias do meu ato. Só quatro pedem ajuda, os outros dois já estão mortos. Uma das meninas ainda viva, tinha em sua perna metade do osso querendo saltar para fora de seu corpo. Choro de angústia e medo.

Meu choro cessou de repente. Um pânico toma conta de mim. desespero-me. Algo está errado. Dois mortos e quatro gravemente feridos?!? Não pode ser. Éramos só seis no carro. Lentamente olho para todos. Um à um. Quando vejo por entre os destroços, esmagado ao volante, meu corpo, todo ensangüentado, sem vida, me dei conta do que aconteceu, achando que curtia a vida, acabo de perder a minha.