REENCARNAÇAO

Seria sonho ou realidade? A coisa estava mais para pesadelo. Pois, tendo morrido, Azarias se apresentou no Céu, onde São Pedro se revelara de uma dureza infernal:

— Seu nome não consta aqui nos registros celestiais.

— Então, como é que fico?

— Você aqui não fica, não senhor. Deve procurar no Inferno. É lá que deve constar seu nome.

Decepcionado, pois sempre tivera a certeza de ter levado uma vida mediocremente correta e sensaboria, Azarias desce do Céu ao Inferno, procurando sua ficha, que lhe permitisse ingresso num departamento da Eternidade.

— Quem? Azarias Maldonado? Não, aqui não consta seu nome. — O Capeta não foi menos gentil do que o Guardião do Céu. — Vai pro Céu.

— Mas, se venho justamente de lá!

— Então, fica por aí, vagando como alma penada.

O destino fora muito cruel para Azarias. Mas, que fazer? Ficou rondando pelas quebradas da eternidade, sem lugar certo de guarida ou permanência. Encontrou, ao fim de muito tempo (se bem que na eternidade não exista tempo), uma outra alma extraviada, que lhe deu uma dica de como se livrar daquela existência no limbo eterno.

— O jeito é reencarnar.

— Mas, como?

— Procure se reencarnar em qualquer bicho, já que tá difícil reencarnar como gente. Tá muito difícil reencarnar como gente.

— Posso reencarnar em qualquer bicho? — Azarias nunca fora religioso, jamais se preocupara com a eternidade. Eis que agora se defronta com a problemática da reencarnação.

— Claro. Melhor ser animal na terra do que alma penada neste limbo.

Azarias aguardou a oportunidade. Quando esta veio, reencarnou-se como galinha. Passou a viver no corpo de uma gorda e acomodada galinha num galinheiro onde o galo reinava impoluto sobre mais de uma vintena de companheiros. Logo aprendeu os truques de como evitar o assédio do galo ou como ciscar nos locais mais abundantes de minhocas e outros bichinhos que enriqueciam sua dieta de milho, parcamente fornecida pela dona do plantel.

Eis que um dia aparece a dona, facão na mão, correndo atrás das galinhas. Corre daqui, corre dali, a dona pega uma das mais gordas e leva consigo.

— Pra onde levaram a Filomena?

— Vai direto pra panela. Vai virar canja ou galinhada.

— E porque ela foi escolhida?

— É porque ultimamente não tava botando mais ovo.

Azarias sente a ameaça rondando por perto. Porque, em toda sua vida de galinha, não pusera um só ovo. Ficou preocupado. Começou a indagar.

— Como é essa história de botar ovo?

— Você faz força, faz força, e bota o ovo.

— Fazer força, como?

— É como se fosse dar uma grande cagada. Faz força, faz força e...

Azarias fez como lhe indicavam a colegas de cercado. Fez força, fez força, e já estava quase botando um ovo, quando é acordado pela mulher, que lhe sacudia pelos ombros, enquanto gritava:

— Acorda Azarias, você já emporcalhou toda a cama. Olha só que cagada monstruosa que você acaba de dar !

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 3 de julho de 2002.

Conto # 168 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/04/2014
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