Sir Manche Abduz III no Salão Oval

Abri a porta e vi uma sala grande. No teto havia um espelho oval, obviamente por causa do formato da sala. Em torno de toda a parede única estavam afrescos em pedra-sabão de anjos e demônios, alguns guerreando entre si, e outros observando o interior da sala, com olhos de esfinge. O chão era de mármore, frio como o vento que passeava, mesmo sem janelas.

Antes de entrar fiquei com medo e ponderei se poderia ou não ser algo ofensivo. Algo mortalmente ofensivo, pois uma sala estranha que dorme ao lado de um quarto sombrio de uma mansão cheia de teias de aranhas pode não ser tão inocente quanto parece. Na verdade nada aqui parece ser inocente e inofensivo, embora seja tudo muito simples. Todas as esculturas pela mansão, os quadros, os móveis, tudo! Tudo permanece na simplicidade mortal: aquela que todos vêem mas ninguém acredita que seja real, por ser muito simples. Incrível, mas tenho uma sensação ruim sobre esta mansão.

Não vou entrar. Fechei a porta. Porque deveria entrar? O próprio mordomo desta mansão me ordenou que não saísse do quarto nem para beber água ou urinar, pois estaria “em cima de ovos”. Claro que ele não manda em mim! E minha vontade de sair deste quarto é grande da mesma forma que tenho curiosidade, e sempre gostei de matar minha curiosidade. Mas não é só isso. Sou um contemplador da arte romântica, tenho diploma de doutorado em literatura romântica pela Universidade de Oxford, e notei grande romantismo em toda a mansão, desde a construção predial, até a disposição dos móveis e a escolha dos afrescos, esculturas e pinturas pela casa. E meu amor pelo romantismo me obriga a, pelo menos, sair durante alguns minutos.

Dane-se o mordomo! Abri a porta novamente e entrei na sala oval. Ao estar no centro dela, a porta se fechou sozinha e corri em direção a ela. Percebi ter sido trancada por alguém lá dentro do quarto. Está frio, muito frio aqui dentro e estou com os pés descalços. O medo me consome inteiramente quando lembro que não há nenhuma janela aqui nessa sala estranha. De repente olho para a porta, a fim de conferir se existe uma brecha por onde possa passar o ar, mas onde está a porta? Eu giro, e giro meu olhar, mas nada! Não há mais a porta pela qual entrei, ou janela alguma. Só existem anjos e demônios me olhando. Todos me julgando, e posso reparar que aqueles que antes eu acreditava estarem lutando, na verdade estão se amando. E o ar se acabando, meu tempo está morrendo, e eu aqui sendo atacado por esses anjos e demônios da escuridão eterna. O frio me faz tremer as pernas, os lábios e nem consigo mais pensar.

Eis que Sir Manche Abduz III cai ao chão morto, para sempre refletido no espelho do teto, e nos olhos dos anjos e demônios do salão oval.

Mister Eric
Enviado por Mister Eric em 07/05/2007
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