As Pastilhas

As Pastilhas

O Zé da Pastelaria vendia bolos, pastéis, torradas, chás, cafés (com ou sem leite), sumos… enfim! Todas aquelas apetitosas guloseimas que se podem saborear e deglutir nesse género de estabelecimentos.

O Toni da Churrascaria; para além dos frangos e das batatas de pacote; das pizzas; do esparguete e da lasanha; também servia combinados e hambúrgueres, acompanhados de fritos oleosos, mais os respectivos sumos e néctares (com e sem álcool), uns gasificados outros naturais.

Os clientes, esses, engordavam!

Preocupados com tanta obesidade, os doutos responsáveis da saúde pública resolveram tomar medidas. E se melhor o pensaram mais lestos foram a congeminar soluções. Evidentemente, segundo os ditos, tornava-se mais económico e poupava-se tempo se se servissem aos glutões, em vez de alimentos congelados e pré-confeccionados, pastilhas que reduzissem o apetite. Quem sabe! Poder-se-ia até chegar ao resultado último de ser desnecessário comer de todo: uma espécie de experiência de burro do cigano mas com objectivos diferentes; quanto mais elegantes as criaturas se mantivessem, mais aptas e determinadas ficariam para laborar.

Poder-se-ia seguir o princípio e os pressupostos de algumas regiões da América Latina; em que mascando folhas de coca os camponeses trabalham mais activa e alegremente, acabando por comer menos, visto passarem o tempo a mastigar. Ajustando esse exemplo, seria possível implementar um sistema genérico idêntico, mas sem a necessidade de cada qual andar com uma floreira atrás, o que aliás seria impensável e incomportável de transportar, por exemplo, no metropolitano ou nos elevadores.

Havia ainda que avaliar os danos colaterais e esses seriam imperativamente de peso. No entanto, tudo colocado nos pratos da balança, e tendo a justiça cegado por a venda lhe ter diminuído os predicados e a falta de luz lhe ter atrofiado o discernimento, o prato pendia para o lado indicado, embora as consequências não deixassem de ser preocupantes.

Excluído o terciário; visto esse já pouco contar, os aviários, os fabricantes de rações e grande parte das empresas logísticas e os grossistas, sofreriam alguns danos. É claro que o mercado clandestino, o qual não se deveria menosprezar, sempre salvaria e atenuaria o desaparecimento total desses sectores (inicialmente por dificuldades de eficiente fiscalização), de forma mais evidente nos casos do terciário e da criação e engorda dos pitos, dos cerdos e até da cultura das minhocas. Os produtores de rações, esses, poderiam ser reconvertidos em fábricas de pastilhas milagrosas; afinal era de lá que quase tudo saía em forma de caganitas.

Também sobrariam os problemas dos Zés e dos Tonis, mas muitos desses, embora numerosos, seriam feras mais facilmente manietadas, nem que para isso fosse necessário recorrer às cenouras domesticadoras.

Tudo bem pesado, e considerando que o progresso e a evolução da humanidade nunca consentira recuos, o incremento da utilização das pastilhas como única forma avalizada de alimentação, se bem que, e como seria de esperar, inicialmente pudessem ocorrer situações pontuais de revolta e alguns imprevistos, oferecia com efeito grandes vantagens e garantias: De espaço; casas; portas; camas; etc. mais estreitas e consequentemente maior número de ocupantes por metro quadrado. O mesmo ocorreria nos transportes e em tudo o resto. Finalmente, civilização que se preze, tem que ser audaz nas grandes medidas a implementar, e quanto mais drásticas, maior é o pasmo desprevenido dos burros, mesmo que a figura de tais bestas venha a ser no futuro, uma vaga referência zoológica guardada num sumido cromossoma da primitividade. Foi assim sempre e assim será, desde o estudo do imperfeito quadrado, que passou a grotesco círculo, até chegar por fim a roda-dentada.

Ponderada a situação as coordenadas coincidiam, porque do que evidentemente se tratava era de um maior ou menor número de dentadas, o que não deixava de adicionar, pelo menos, duas novas variantes aos resultados finais: a positiva; saldava-se por um diminuto ou quase nulo desgaste das dentaduras com a vantagem de beneficiar o erário público. A negativa; era a drástica redução no consumo de artefactos e pastas dentífricas e a reconversão de grande parte da classe dos profissionais dentistas, alguns dos quais poderiam ser logo à partida integrados nos serviços veterinários dos jardins zoológicos. Quanto aos sorrisos das estrelas de cinema, esses reluziriam mais e por mais tempo, sem o imprevisto ridículo de mostrarem os restos entalados de caviar a macular as gengivas.

Um outro passo a não descurar, seria a autorização condicionada das pessoas se andarem a comer umas às outras, o que reduziria drasticamente os casos de assédio sexual e permitiria em acréscimo um mais eficaz controlo da natalidade.

Manda a prudência que nas grandes reformas estruturais e de costumes, se encomendem, façam e refaçam, estudos e relatórios preliminares devidamente documentados, e em seguida, atirar amachucadas as conclusões dos dossiers para o cesto dos papéis. Concluída essa primeira fase, outras deverão seguir-se, votadas evidentemente ao mesmo destino. Quando a confusão atingir o clímax e ninguém se entender, o recomendável é deixar ficar tudo como anteriormente estava.

Remédio santo e trabalho demonstrado.

De

Moisés Salgado